A QUEM
INTERESSAR POSSA
Abriu
a janela no exato momento em que a garrafa com a mensagem passava, levada pelo
vento. Pegou-a pelo gargalo e, sem tirar a rolha, examinou-a cuidadosamente.
Não tinha endereço, não tinha remetente.
Certamente,
pensou, não era para ele. Então, com toda delicadeza, devolveu-a ao vento.
A PAIXÃO DA
SUA VIDA
Amava
a morte. Mas não era correspondido.
Tomou
veneno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe
o abraço.
Quando
finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada,
estourou-lhe o coração.
CONTO EM
LETRAS GARRAFAIS
Todos
os dias esvaziava uma garrafa, colocava dentro sua mensagem, e a entregava ao
mar.
Nunca
recebeu resposta.
Mas
tornou-se alcoólatra.
DE CABEÇA
PENSADA
Tinha
30 anos quando decidiu: a partir de hoje, nunca mais lavarei a cabeça. Passou o
pente devagar nos cabelos, pela última vez molhados. E começou a construir sua
maturidade.
Tinha
50, e o marido já não pedia, os filhos haviam deixado de suplicar. Asseada,
limpa, perfumada, só a cabeça preservada, intacta com seus humores, seus
humanos óleos. Nem jamais se deixou tentar por penteados novos ou anúncios de
xampu. Preso na nuca, o cabelo crescia quase intocado, sem que nada além do
volume do coque acusasse o constante brotar.
Aos
80, a velhice a deixou entregue a uma enfermeira. A qual, a bem da higiene,
levou-a um dia para debaixo do chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.
E
tudo o que ela mais havia temido aconteceu.
Levada
pela água, escorrendo liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo
sem que nada pudesse retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças.
Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
muito bem escritos os quatro contos. amei!certamente me servirão de inspiração e modelo, para eu poder escrever os meus! parabéns!
ResponderExcluirQual interpretação do "De cabeça pensada"?
ResponderExcluirPenso que é uma metáfora, mostrando que a maturidade chega aos 30 anos ou mais ou menos nessa idade. A cabeça está "feita", não mudamos mais tanto de opiniões como quando somos jovens. E na velhice, as lembranças vão aos poucos se apagando.
ResponderExcluirAmo os textos dela.
amei, me ajudou no trabalho da franci kkkkkkk
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