UM EX-FAXINEIRO NEGRO VENCE PRECONCEITO
E QUER “LIMPAR” A IMAGEM DO STF
O "bate-boca" entre o presidente do STF, Gilmar Mendes
(dono de uma biografia repleta de denúncias de corrupção) e o ministro Joaquim
Barbosa (dono de uma biografia invejável) traz a necessidade de esclarecer quem
é quem no Judiciário brasileiro.
Um ex-torneiro mecânico pernambucano indicou um ex-faxineiro
mineiro para ocupar uma vaga entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal. O
presidente Lula escolheu o doutor da Universidade da Sorbonne e procurador do
Ministério Público Federal, Joaquim Benedito Barbosa Gomes, para ocupar uma
vaga entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O jovem negro que cuidava da limpeza do Tribunal Regional
Eleitoral de Brasília está prestes a chegar ao topo da carreira da Justiça após
quatro décadas de vitórias contra desigualdades sociais e raciais. A primeira
foi em Paracatu, interior de Minas, onde nasceu numa família de sete irmãos,
com a mãe dona-de-casa e o pai pedreiro e, mais tarde, dono de uma olaria. Lá,
percebeu que só o estudo poderia mudar a sua história. Já aos 10 anos dividia o
tempo entre o trabalho na microempresa da família e a escola. O saber era quase
uma obsessão.
- Uma das piores lembranças da minha
infância foi o ano em que fiquei longe da escola porque a diretora baixou uma
norma cobrando mensalidade. No ano seguinte, a exigência caiu e voltei à sala
de aula. Estudar era a minha vida e conhecer o mundo o meu sonho. Adorava
aprender outras línguas – contou
Joaquim Barbosa numa entrevista em agosto de 2002 para o projeto de um vídeo
sobre a mobilidade social dos negros no Brasil.
O domínio de línguas estrangeiras foi a engrenagem para
mobilidade social de Joaquim Barbosa. Aos 16 anos, deixou a família e a
infância em Minas e foi atrás de emprego e educação em Brasília. Dividia o
tempo entre os bancos escolares e a faxina no TRE do Distrito Federal. Um dia,
o mineiro, na certeza da solidão, cantava uma canção em inglês enquanto limpava
o banheiro do TRE. Naquele momento, um diretor do tribunal entrou e achou
curioso uma pessoa da faxina ter fluência em outro idioma. A estranheza se
transformou em admiração e, na prática, abriu caminho para outras funções.
Primeiro, como contínuo e, mais tarde, como compositor de máquina off set da gráfica
do Correio Brasiliense. A conquista não sairia barato.
- Lembro de uma chefe que me humilhava na
frente dos companheiros de trabalho e questionava minha capacidade. No início,
foi difícil, mas acabei me estabilizando no emprego e mostrando o quanto era
profissional.
A renda aumentou, mas ainda era pouca para ele e a família lá em
Minas. Foi trabalhar também no Jornal de Brasília acumulando dois empregos e
jornada de 12 horas. Mais tarde, trocou os dois por um. Foi para Gráfica do
Senado trabalhar das 23h às 6h da manhã. Depois do trabalho, a Universidade de
Brasília. O único aluno negro do curso de direito da UnB tinha que brigar
contra o sono e a intolerância.
- Havia um professor que, ao me ver
cochilando, me tirava da sala.
Joaquim Barbosa continuava sonhando acordado. Prestou prova para
oficial da chancelaria do Itamaraty e passou. Trocou o bem remunerado emprego
do Senado por um, que pagava bem menos. Mas o novo trabalho tinha uma vantagem
incalculável: poder viajar para a Europa. Durante seis meses, conheceu países
como Finlândia e Inglaterra. De volta ao Brasil, prestou concurso para carreira
diplomática. Foi aprovado em todas as etapas e ficou na entrevista: a única na
qual a cor de sua pele era identificada.
Após esse episódio, a consciência racial de Joaquim Barbosa, que
começou a ser desenhada na adolescência, ganhou contornos mais fortes. Ganhou
novas cores, quando, já como jurista do Serpro, conheceu o país, especialmente
o Nordeste e, em particular, Salvador. Bahia foi uma paixão a primeira vista do
mineiro. Foi lá onde Joaquim Barbosa teve um contato maior com o que ele chama
de "Negritude".
A percepção de ser minoria entre as elites ficou ainda mais
nítida fora do país. O jurista explica que o sentimento de isolamento e solidão
é muito forte em um "ambiente branco" da Europa. Ser uma exceção aqui
e no além-mar ficou ainda mais forte após o doutorado na Universidade de
Sorbonne. Naquela época já acumulava títulos pouco comuns para maioria das
pessoas com a mesma cor de pele: Procurador do Ministério Público e professor
universitário. Antes, já tinha passado pela assessoria jurídica do Ministério
da Saúde.
O exercício de vencer barreira, de alguma forma, está em sua
tese de doutorado, publicada em francês. O doutor explica que o seu objeto de
estudo foi o direito público em diferentes países, como os EUA e a França.
- A minha intenção foi ultrapassar
limites geográficos, políticos e culturais. Quero um conhecimento que vá além
da fronteiras dos países – disse.
"Vossa Excelência, quando se dirige a
mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar.
Respeite-me", reagiu Barbosa.
Gilmar Mendes foi nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo
então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, em artigo publicado na
Folha de São Paulo, o professor da Faculdade de Direito da USP, Dalmo Dallari,
professor catedrático da UNESCO na cadeira Educação para a Paz, Direitos
Humanos e Democracia e Tolerância, declarou:
“Se
essa indicação (de Gilmar Mendes) vier a ser aprovada pelo Senado, não há
exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no
Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. (...) o
nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém
seja membro da mais alta corte do país.”
O empresário Gilmar Mendes carrega em sua biografia a denúncia
de que foi favorecido com “incentivo” do poder executivo para fundar, em 1998,
o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma escola privada que
oferece cursos de graduação e pós-graduação em Brasília. Desde 2003, conforme
consta das informações do "Portal da Transparência" da Controladoria
Geral da União, esse Instituto faturou cerca de R$ 1,6 milhão em convênios com
a União. De seus nove colegas no STF, seis são professores desse Instituto,
além de outras figuras importantes dos poderes executivo e judiciário (não é à
toa que ele contou com tanta “solidariedade” no episódio que envolveu a
discussão com o ministro Joaquim Barbosa). O Instituto se localiza em terreno
adquirido com 80% de desconto no seu valor graças a um programa do Distrito
Federal de incentivo ao desenvolvimento do setor produtivo. O subsecretário do
programa, Endels Rego, não sabe explicar como o IDP foi enquadrado no programa.
O belíssimo prédio do Instituto foi erguido graças a um empréstimo conseguido
junto ao Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), gerido pelo Banco do
Brasil, cuja prioridade de investimento é o meio rural. Entre os seus maiores
clientes estão a União, o STJ e o Congresso Nacional.
*Dr. Eduardo Diatahy B. de Menezes,
Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará e Professor Titular do
Doutorado e Mestrado em Sociologia – UFC.
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