Enem 2012: textos nota 1000 têm erros como
‘enchergar’ e ‘trousse’
Redações também apresentam graves
desvios de concordância
Publicado:17/03/13 - 23h00
Atualizado:18/03/13 - 8h20
RIO — “Rasoavel”, “enchergar”,
“trousse”. Esses são alguns dos erros de grafia encontrados em redações que
receberam nota 1.000 no Exame Nacional de Ensino Médio 2012 (Enem). Durante um
mês, O GLOBO recebeu mais de 30 textos enviados por candidatos que atingiram a
pontuação máxima, com a comprovação das notas pelo Ministério da Educação (MEC)
e a confirmação pelas universidades federais em que os estudantes foram
aprovados. Além desses absurdos na língua portuguesa, várias redações continham
graves problemas de concordância verbal, acentuação e pontuação.
Apesar de seguirem a proposta do tema
“A imigração para o Brasil no século XXI”, os textos não respeitavam a primeira
das cinco competências avaliadas pelos corretores: “demonstrar domínio da norma
padrão da língua escrita”. Cada competência tem a pontuação máxima de 200 pontos.
Segundo o “Guia do participante: a
redação no Enem 2012”, produzido pelo MEC, os 200 pontos na competência 1 são
atingidos apenas se “o participante demonstra excelente domínio da norma
padrão, não apresentando ou apresentando pouquíssimos desvios gramaticais leves
e de convenções da escrita. (...) Desvios mais graves, como a ausência de
concordância verbal, excluem a redação da pontuação mais alta”.
O manual aponta, entre os desvios mais
graves, erros de grafia, acentuação e pontuação. Na mesma redação em que figura
a grafia “rasoavel”, palavras como “indivíduos”, “saúde”, “geográfica” e
“necessário” aparecem sem acento. E ao menos dois períodos terminam sem o ponto
final.
Em outro texto recebido pelo GLOBO,
aparecem problemas de concordância verbal, como nos trechos “Essas
providências, no entanto, não deve (sic) ser expulsão” e “os movimentos
imigratórios para o Brasil no século XXI é (sic)”. O mesmo candidato,
equivocadamente, conjuga no plural o verbo haver no sentido de existir em duas
ocasiões: “É fundamental que hajam (sic) debates” e “de modo que não hajam
(sic) diferenças”.
Uma terceira redação nota 1.000
apresenta a grafia “enchergar”, além de problema de concordância nominal no
trecho “o movimento migratório para o Brasil advém de necessidades básicas de
alguns cidadãos, e, portanto, deve ser compreendida (sic)”. Em outro texto,
além da palavra “trousse”, há ausência de acento circunflexo em “recebê-los” e
uso impróprio da forma “porque” na pergunta “Porém, porque (sic) essa população
escolheu o Brasil?”.
Pós-doutor em Linguística Aplicada e
professor da UFRJ e da Uerj, Jerônimo Rodrigues de Moraes Neto diz que essas
redações não deveriam receber a pontuação máxima.
— A atribuição injusta do conceito
máximo a quem não teve o mérito estimula a popularização do uso da língua
portuguesa, impedindo nossos alunos de falar, ler e escrever reconhecendo suas
variedades linguísticas. Além disso, provoca a formação de profissionais
incapazes de se comunicar, em níveis profissional e pessoal, e de decodificar o
próprio sistema da língua portuguesa — aponta Moraes Neto.
Claudio Cezar Henriques, professor
titular de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da Uerj, reitera que, ao
ingressar na universidade, esses alunos terão de se ajustar às normas da língua
de prestígio acadêmico se quiserem se tornar profissionais capacitados. Ele
observa que a banca corretora não usa o termo “erro”, mas “desvio”, algo que,
segundo ele, é “eufemismo da moda”.
— A demagogia política anda de braço
dado com a demagogia linguística. É preciso lembrar que as avaliações oficiais
julgam os alunos, mas também julgam o sistema de ensino. Na vida real, redações
como essas jamais tirariam nota máxima, pois contêm erros que a sociedade não
aceita. Afinal, pareceres, relatórios, artigos científicos, livros e matérias
de jornal que contiverem esses desvios/erros colocarão em risco o emprego de
revisores, pesquisadores e jornalistas, não é? — ele indaga.
Logo que o MEC liberou a consulta ao
espelho da redação, em fevereiro, o site do GLOBO publicou uma reportagem
pedindo que estudantes enviassem redações com nota 1.000, junto com seus
comprovantes. O objetivo era expor os bons exemplos no site. Porém, ao ler as
redações, a equipe percebeu erros gritantes em várias dissertações. Foram enviadas
ao MEC, então, quatro delas. Para não expor os alunos, os textos foram
digitados, e as informações pessoais (nome, CPF e número de inscrição),
omitidas. O GLOBO perguntou se os desvios não desrespeitavam os critérios
estabelecidos pelo manual do MEC, e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anysio Teixeira (Inep) alegou que não comenta redações: “por
respeito aos participantes, a vista pedagógica é dada especificamente a quem
prestou o exame”.
Segundo o Inep, “uma redação nota 1.000
deve ser sempre um excelente texto, mesmo que apresente alguns desvios em cada
competência avaliada. A tolerância deve-se à consideração, e isto é relevante
do ponto de vista pedagógico, de ser o participante do Enem, por definição, um
egresso do ensino médio, ainda em processo de letramento na transição para o
nível superior”.
Sobre os critérios usados na correção
da redação do Enem 2012, estabelecidos pela coordenação pedagógica do exame, a
cargo de professores doutores em Linguística da Universidade de Brasília (UnB),
o Inep informa que a análise do texto é feita como um todo. Segundo a nota, “um
texto pode apresentar eventuais erros de grafia, mas pode ser rico em sua
organização sintática, revelando um excelente domínio das estruturas da língua
portuguesa”.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/educacao/enem-2012-textos-nota-1000-tem-erros-como-enchergar-trousse-7866485#ixzz2NubAXWiL
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