Para quem gosta da Língua Portuguesa, curiosidade
como esta é interessante. Acompanhe o texto e veja que "coisa
estranha" para se pensar.
O substantivo "coisa" assumiu tantos
valores que cabe em quase todas as situações cotidianas .
A palavra "coisa" é um bombril do idioma.
Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre
sempre que nos faltam palavras para exprimir uma idéia. Coisas do
português.
A natureza das coisas: gramaticalmente,
"coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser
verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há
"coisar": "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu
mandei você coisar ”.
Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra
Josué Machado. Já as "coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos
genitais, registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe
beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na
Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha. Em
Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu
estandarte. Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que
eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente
grande, há também o Segura a Coisinha.
Na literatura, a "coisa" é coisa antiga.
Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica O Coisa em 1943. A
Coisa é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu A Força
das Coisas, e Michel Foucault, As Palavras e as Coisas.
Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de
trem. Menos o trem, que lá é chamado de "a coisa". A mãe está com a
filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem
que lá vem a coisa!".
Devido lugar
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de
graça (...)". A garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro.
"Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa
louca." Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas. Sampa também
tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa
acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de
Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).
Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino.
Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa
de cinema! A Coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no
recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou
também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!,
Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".
Coisa também não tem tamanho. Na boca dos
exagerados, "coisa nenhuma" vira "coisíssima". Mas a
"coisa" tem história na MPB.
No II Festival da Música Popular Brasileira, em
1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré
("Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar"), e A Banda,
de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando coisas de
amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que
a Som Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava
preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com
as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".
Cheio das coisas
As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração,
Coisas que não se esquece, Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não
tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por
Roberto Carlos, o "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era
preocupada com as coisas. Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma
questão de quantidade (afinal, "são tantas coisinhas miúdas"). Já
para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô coisinha tão bonitinha
do pai"). Todas as Coisas e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já
tá qualquer coisa... Já qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa
doida é uma citação da música Qualquer Coisa, de Caetano, que canta também:
"Alguma coisa está fora da ordem."
Por essas e por outras, é preciso colocar cada
coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma
coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas
é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é
o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está
sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os
tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando
assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa:
"Agora a coisa vai." Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa
é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas
coisas!
Coisa à toa
Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um
coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no
poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a
coisa, coisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira
"cousa".
Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as
coisas, para ser usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos
tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são
coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras
cositas más.
Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida,
senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em Canteiros,
baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda.
Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande
mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas".
Entendeu o espírito da coisa?
Gustavo,
ResponderExcluiradorei seu texto, me fez lembrar de "Coisas que eu sei".
Andréia