segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

PROFESSOR: O ALUNO NÚMERO UM



O professor é um sujeito que vive entre o paraíso e o inferno. Podendo navegar no mar das contradições, voar no meio de turbulências e rodopiar na fúria de ciclones que, muitas vezes, não têm calmarias e está longe de um consenso: a educação do ser humano.
Ele, o magister, era visto antigamente como o repositório de sabedoria e autoridade, além de ser a única voz altissonante em sala de aula. Na sua gaveta, instrumentos de tortura como a caderneta, milhos e a palmatória. Naquele tempo, a figura do professor era um estereótipo de sujeito gordo, de óculos, suarento e antipático. As professoras vestiam a carapuça de macérrimas, infelizes e ostentavam uma verruga horripilante no nariz.
Atualmente há professores para todos os gostos e para todos os mercados: palhaços, teatrais, introspectivos, dominadores ou gentis. Na aparência física a coisa mudou, de certo. Com adereços típicos da moda ou não, pode-se encontrar magros, altos, baixos, gordos, brancos, índios ou negros. Jovens, quarentões ou senis. Nacionais ou importados. Gente. Tão gente quanto qualquer outra pessoa ou exótico como nenhuma outra.
É bem verdade que a cartilha, a tabuada e coisas do gênero não existem mais. Entretanto, muitas idéias arcaicas ainda pairam sobre a cátedra. Uma delas é a forma de dar aula: o cuspe e giz ainda são os únicos recursos pedagógicos disponíveis aos profissionais da área, salvo raras exceções. As salas de aula não mudaram muito, desde Comênius, na Idade Média.
Outra idéia negativa recai sobre a figura “diabólica” do aluno, que é visto como um número (um índice de aprovação em vestibulares), um sujeito que não quer nada com a voz do Brasil, um desajustado, um conversador ou um ser imaturo! Isso parte do próprio erro dos educadores que generalizam os seus ensinamentos, não levam em consideração o contexto social em que vivem os discentes e uma visão conteudística do educador, sem falar que muitos não têm simpatia ou afeto para com os educandos.
O magistério não é algo acabado, finito e objetivo. Pelo contrário, desperta-se no outro o interesse para as coisas da vida. E a existência está sempre em mutação, por isso não é algo definitivo. Ora, todos estão aprendendo desde quando nasceram e até quando morrerem, sabe-se lá se antes e depois também não se aprende! Então, não se pode tratar como instituição padronizada. Da mesma forma, o educar é o encontro com outros saberes, outras mentes e outros corações. Mãos dadas com visões de filosofias, ciências e artes que foram precedidas (e das vanguardas que estão por vir!) por quem aprende. Altamente íntimo e emblemático, logo, imagético e subjetivo.
É uma certeza matemática que o partilhar da existência com o aluno torna o professor um auto-mestre, pois o encontro com o outro é a visita a si mesmo. Portanto, se quiser formar leitores, faça-se leitor, apaixonado e viciado, feliz e sôfrego, como gostaria que os seus alunos fossem; se quiser formar pessoas de caráter, ensine-os como, seja digno, honesto, pregue e pratique a compaixão e a caridade; se quiser formar vencedores, seja um vencedor, ajude-os a superar obstáculos, superando os seus próprios. O exemplo é e será sempre o melhor remédio, a maior educação.
Gustavo Atallah Haun - Professor.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

APOLOGIA AO LIVRO


Os bons escritos merecem de nós toda sorte de loas, hinos e reverências. Por isso, eu gostaria de afirmar em alto e bom som que não desejo nada dos outros, mas se um dia quiserem me dar algo, lembrem-se dos bons e velhos livros. Os livros causam fascínio em mim. Gosto de olhá-los na estante e senti-los meus, gosto de olhá-los e vê-los arrumadinhos e colorindo o ambiente.
Nunca cobicei fortuna alheia, nem jamais pensei em herança que alguém pudesse deixar para mim. No entanto, se algum parente, amigo ou conhecido tiver a caridade de lembrar-se de mim no leito de morte (ou em qualquer instante), que me deixem livros, que me presenteiem livros, que me dêem livros, um monte deles.
Livros que não tenho. Livros que já li. Livros que procuro. Livros que já desisti de achar. Eles são seres vivos: paridos. Eu acredito piamente nisso.
Antes de iniciar uma leitura de um livro há todo um ritual que antecede o ato, que vai desde tocá-lo e sentir o seu cheiro, até os pormenores que para muitos são insignificantes: observar e ler a capa, contracapa, sumário, pré e pósfácio, etc.
Sempre estou rodeado deles. Toda vez antes de dormir na minha enorme cama eles estão por lá me fazendo companhia. Noites solitárias ou frias; noites calmas ou quentes. É uma grata presença ao lado, em cima ou embaixo da cama ou do travesseiro. Eles estão sempre a me espreitar faceiros!
Bendito seja o povo que reuniu pela primeira vez seus escritos, suas sapiências, num papiro ou num volume, imitando o que seria futuramente com Gutenberg, uma brochura, um calhamaço, um livreto... Talvez O Livro dos Mortos dos egípcios? Quem sabe Os Vedas dos hindus? Ou um pedaço de couro de carneiro rabiscado e perdido na região dos Sumérios? Seja lá qual a nação que detenha essa fantástica descoberta, que tenha sido festejada e merecedora dessa tentativa e logro.
Pois, para mim, ao abrir as páginas de um livro, sei que estou abrindo o principiar de uma nova existência que vou viver por deliciosos e verdadeiros momentos. Há todo um respeito da minha parte nisso.
Vejamos um exemplo concreto: uma bela donzela tentadora deitada no ninho de amor à espera do seu homem. Acaso esse varão deverá agir de forma abrupta desvirginando sonhadora moça em leito de prazer? Penso que não. O que faria então esse distinto e privilegiado cavalheiro? Mansa e suavemente se deitaria ao lado de esplêndida jovem, trocaria carícias desconcertantes, sentiria os odores selváticos que o envolve. Delicadamente se despiria e, só assim, ao som do crepitar das chamas de velas e estalar de doces beijos, entregar-se-ia à sordidez da primeira vez (nunca a última!) em intimidade reconfortante.
Assim é o ato de ler um livro, qualquer um. O livro é a donzela tentadora e vaporosa que espera o seu homem e merece carinho na primeira vez – não somente na primeira como em todas, pois jamais encontrei ex-leitores ou ex-amantes! O cavalheiro boníssimo que deflorará bonita rapariga são os leitores: os vorazes devoradores da intimidade alheia, mas com respeito e galhardia.
Ah! E como tem sido escandalosamente inebriante encontrar, às vezes, jovens rebeldes e desvirginadas na alcova e descarados senhores da vida alheia...
Gustavo Atallah Haun - Professor.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O QUESITO LEITURA NO PAÍS DO SAMBA – II


Só há uma forma de aprender a escrever bem: lendo
Alberto Manguel
 
               A maior queixa de professores dos ensinos básico e superior é a falta de leitura por parte dos estudantes. Isso é dito sempre de boca cheia pelos docentes que, com certeza, desconhecem a culpa pelo despreparo e falta de incentivo do alunado e, conseqüentemente, da ruim (para não dizer coisa pior!) Educação atual.
Há um tempo atrás, uma pesquisa feita dentro da Universidade pública local mostrou que, curiosamente, os discentes que menos freqüentam a biblioteca do campus são os do curso de Letras(?!), justamente um dos agentes protagonistas que irão encarar a sala de aula nos quesitos leitura, interpretação e escrita, embora todas as disciplinas trabalhem interdisciplinarmente com tais fatores.
Não existe fórmula mágica: só formamos leitores quando somos leitores, quando somos exemplos. Tenho certeza de que isso é válido para tudo o que desejamos transmitir, ensinar ou fazer compreender na Educação do ser humano.
Por outro lado, ensinar a ler é complicado, pois esse é um ato complexo e que nunca iremos atingir na sua totalidade. Como ensinar às pessoas algo heterogêneo, subjetivo e que depende mais delas próprias? O que nós educadores devemos fazer – e já é uma grande vitória quando conseguimos – é despertar a vontade, o tesão, o desejo da leitura, além de ficarmos incentivando, mostrando os diferentes ângulos de interpretação, dando pistas, tampando as prováveis lacunas lingüísticas, textuais, enciclopédicas (KLEIMAN, A.: 1986) e tentando fazê-las enxergar nas entrelinhas, o que está por trás do discurso oral, escrito ou não-verbal.
Leitores são formados desde o ventre e continuamos até o fim da existência. Os pais, se bem orientados, podem colaborar e muito para tornar o(s) seu(s) filho(s) leitor(es): contando histórias desde a gravidez, lendo poemas, parlendas, cantigas de roda, narrando “causos” do folclore para as crianças. Afinal, quem não se recorda das fábulas e lendas contadas pela avó ou pela mãe no balanço da rede?
Após essa introdução feita pelos familiares, a escola entra (ou pelo menos deveria entrar!) com profissionais preparados para prosseguirem o trabalho de formação de leitores. Os docentes que lidam diretamente com essa questão devem orientar com lucidez os seus pupilos. Entretanto, muitas vezes, o que realmente acontece em sala de aula são os professores mandarem ler um texto e, depois de lido, ficarem perguntando absurdos, do tipo: “qual o sujeito do primeiro parágrafo?”, ou então, “retire um substantivo concreto da segunda frase”... Jamais discutem o sentido, a essência do texto, ou seja, o que na verdade lemos, que não é o que está escrito e, sim, os silêncios que existem entre uma palavra e outra, como dizia o filósofo Foucault, em sua obra A ordem do discurso.
Da mesma maneira, aprender a pensar bem só é possível se lermos bons textos, lermos, é claro, interpretando os múltiplos significados que dão sentido ao texto. Assim, intrinsecamente ligado à leitura e ao aprender a pensar, iremos produzir bons textos, escrever melhor. O naturalista e crítico literário francês Buffon (1707-1788) pregava que “os nossos conhecimentos são os germes das nossas produções”.
Portanto, os verbos ler, pensar e escrever estão ligados uns aos outros como um elo indestrutível, uma corrente indissociável e serão eternamente conjugados fazendo a diferença entre os homens medíocres, indiferentes, horizontais e os sagazes, inteligentes, profundos.
Gustavo Atallah Haun - Professor.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O QUESITO LEITURA NO PAÍS DO SAMBA


  “A leitura é para a mente o que o exercício é para o corpo.
Richard Steele
              
               Muitas pessoas nos têm pedido para escrever sobre a leitura, a importância desta e, principalmente, acerca da posição que o Brasil aparece nas pesquisas de analfabetismo e interpretação de textos feitas por órgãos internacionais.
Encaramos, aliás todo educador deveria encarar, com uma dor profunda todas as estatísticas negativas, mas não podemos esquecer que vivemos num país dito “em desenvolvimento”, cujo salário mínimo não ultrapassa os cem dólares mensais.  No Brasil, ou se come ou se lê; ou se paga as contas ou se lê; ou se veste ou se lê... Não dá para competir com as necessidades básicas! Esse é um dos motivos por continuarmos lendo, em média, dois livros por ano.
Lembramos que o genial Monteiro Lobato asseverava que um país se constrói com homens e livros, dessa forma percebemos que existem dois tipos de pessoas: as que lêem e as que não lêem. As primeiras estão mais bem preparadas para a vida, consciência desperta para as lutas do cotidiano, livres, por assim dizer, pois o conhecimento propicia a liberdade de pensar, logo de transformar. Já as segundas estão chafurdadas no lodo das manipulações, passivas frente aos embates da existência, deslocadas para as margens da sociedade.
Num país como a França, em que a média de leitura é de quatorze livros por ano e que foi palco das principais manifestações culturais, índices de analfabetismo, por exemplo, inexistem. Além disso, o país tem uma forte identidade cultural, defendendo com unhas e dentes suas tradições.
Já se tornou um senso comum a afirmação de que em Buenos Aires existem mais livrarias do que em todo território brasileiro. E com um detalhe importantíssimo: as livrarias funcionam 24 horas!
Visto por este ângulo, percebemos, também, que o quesito leitura é um problema cultural. Por um lado, não temos renda suficiente para abarrotar as estantes de livros e, por outro, não temos o costume de ler. Temos, sim, o costume de pegar as idéias emprestadas de outrem, não usar o pensamento e imaginação, além de querer as informações mastigadas e padronizadas como na TV (que tem acesso fácil e barato), sem falarmos que o lazer predileto do brasileiro é a mesa de bar...
É uma pena, porque entendemos a leitura (e, por conseguinte, o conhecimento) como a mola impulsionadora da transformação social e cultural de uma nação. Todo o patrimônio histórico intelectual da humanidade está condensado na escrita (toda a sabedoria religiosa, antropológica, literária, etc.) e acessar essa maravilha só depende de ação, boa vontade e dinheiro no bolso.
No dia em que formos viciados em livros, devorarmos revistas e jornais, ouvirmos boas músicas, participarmos de bons debates, entre outras coisas, iremos sair das últimas posições de analfabetismo, de capacidade de interpretar textos e de sermos “paus mandados...” Afinal, como dizia um escritor, o conhecimento nos traz o poder.
Gustavo Atallah Haun - Professor.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A ARTE PELA ARTE


O que é arte? Para que serve arte? Qual a função social da arte, se é que ela tem alguma? Como distinguir o que é belo para cada pessoa? Essas e muitas outras questões povoam a cabeça de professores, artistas e críticos pelo mundo. Uma reflexão séria sobre o assunto é cada vez mais escassa nos meios de comunicação. Aliás, os textos que versam sobre alguma obra artística, hoje em dia, não passam de releases pré-moldados, nada mais tem que ver com uma crítica, uma apreciação de valor.
A verdade é que a arte, seja ela qual linguagem for, é para poucos. Mas também ela tem, e deve, sobreviver. E isso ela só consegue através da comercialização dos seus produtos, assim como todos os outros no sistema capitalista. Como fazer um bom livro, peça, filme, e ao mesmo tempo ser vendável? Como conciliar os dois, muitas vezes postos em extremos? É claro que o ideal seria que todas as obras de arte fossem de alta qualidade e ao mesmo tempo consumidas pelas massas.
No entanto, isso não acontece. Um músico como Caetano Veloso, tido como bom, não passa de 200 mil cd’s vendidos a cada lançamento. Já músicos como Amado Batista, tido como brega, batem recorde de milhões de cd’s vendidos. Por que será? A população tem gosto chulo? O popular também é arte? Ou a arte que está vivendo em guetos, elitizada?
Pode-se ampliar a reflexão para o cinema: o brasileiro e o hollywoodiano, para ficar só nesses dois. Aqui no Brasil a média de criação de filmes não deve passar de vinte, trinta, longas-metragens por ano. Mas dessa quantidade, é possível extrair uns dez que sejam de bons a excelentes. Em Hollywood a média de filmes passa de 600 longas por ano, de orçamentos milionários, tirando 15, 20, que prestam. A média daqui é muito melhor, muito superior. Porém, não é vista, não é cultuada. Assistimos a todas as quinquilharias feitas nos EUA, as mídias televisivas nos impõem goela abaixo, no mais das vezes.
Até meados do século XX, tínhamos três grandes escritores cultuados no mundo: Jorge Amado (o mais lido), Guimarães Rosa (para muitos, merecedor do Prêmio Nobel de Literatura) e Clarice Lispector. Um trio de respeito de artistas literários que nos representava com orgulho e galhardia. Hoje, vemos a ascensão de Paulo Coelho como representante da nossa escrita planeta afora. A classe média européia se rendeu ao mago, ao exótico dos trópicos. E ele escreve literatura? Escreve bem? Começa por aí... E termina em altas vendagens como paradoxo!
Sem falar em escultura, dança, fotografia, artes plásticas...
Enfim, enquanto alguns tentam mostrar para os incautos de que há salvação, como apregoava alguns estetas, como Sartre e Schopenhauer, através da arte, da velha e boa arte, criando catarse e sublimando a existência, seguimos na nossa pacata província, nesse pedacinho de chão do sul da Bahia, acreditando que um dia a arte não será elaborada apenas pela arte, e sim para a consumação de saberes e sabores, como diz o poeta Jorge Araújo.
Gustavo Atallah Haun - Professor.