segunda-feira, 30 de setembro de 2013

SAÚDE PÚBLICA COMO TEMA DE REDAÇÃO DO ENEM

                   A saúde pública brasileira na UTI



Contexto: Os problemas da saúde pública no Brasil são antigos e bem conhecidos, mas voltaram a ser foco de discussão após os protestos desencadeados em junho. Apesar da alta carga tributária em vigor no país, os brasileiros sofrem com um atendimento de saúde precário, que acumula reclamações como demora no atendimento, infraestrutura insuficiente, médicos mal distribuídos pelo território nacional e profissionais despreparados e até negligentes.
Sob o pretexto de atender as exigências da população, o governo apresentou o controverso programaMais Médicos. Anunciado pela presidente Dilma Rousseff e pelos ministros Aloizio Mercadante (Educação) e Alexandre Padilha (Saúde) no dia 8 de julho, o pacote previa, inicialmente, soluções como o incentivo para médicos atuarem longe dos grandes centros (onde são escassos), aimportação de profissionais estrangeiros, dois anos extras na formação dos alunos de medicina com atendimento obrigatório no Sistema Único de Saúde (SUS) e a expansão de vagas nas faculdades de medicina. Por causa da resistência do meio acadêmico, o programa ainda está em discussão. Mas uma proposta do governo já caiu: os dois anos a mais na formação dos médicos foramtransformados em parte da residência médica.
Desenvolvimento: “A redação do Enem apresenta um problema a ser solucionado. Então, a melhor maneira de começar o texto é elencar as questões adversas e pensar em maneiras de resolvê-las”, diz a professora de redação Daniela Aizenstein, do CPV Vestibulares.
Segundo ela, o aluno pode debater sobre o programa proposto pelo governo e analisar os pontos favoráveis e desfavoráveis. Por exemplo: quais os problemas decorrentes da “importação” de médicos estrangeiros e o que fazer para superar essas dificuldades? O mesmo vale para a iniciativa de levarfaculdades de medicina para regiões mais afastadas das grandes capitais e assim por diante.
Ao analisar os pontos listados, o aluno deve propor soluções que exponham seu ponto de vista. Algumas respostas possíveis são investimentos em infraestrutura de hospitais, principalmente em locais afastados, como meio para atrair médicos. A valorização do profissional da saúde e a melhoria da sua qualificação também são bons argumentos.
Tenha cuidado: Mesmo sendo um tema controverso, não existe um posicionamento certo ou errado. Por isso, não é necessário ficar com receio de apresentar uma proposta “errada”. “A ideia é incentivar o aluno a pensar e buscar respostas, mostrar maturidade”, diz Daniela.

(Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2013)

sábado, 28 de setembro de 2013

TEXTO MARAVILHOSO DE MARCOS BISPO!

MINHA FILHA, JOVENS NO SHOPPING, AMIG@S E VAIDADES Q TODOS TEMOS  
Por: Marcos Bispo Santos
Começou a Primavera! E o mês de outubro na Igreja Católica sempre foi dedicado à Juventude. Isso e mais o que tenho visto e vivido, aliado à angústia de ficar sem escrever (só lendo e lendo muito!), me fez voltar ao teclado e proclamar este texto. Dia desses fui ao Shopping “garimpar” filmes clássicos no saldão da Americanas (estou à procura de ‘Os Miseráveis’). E tomei UM SUSTO com uma multidão de jovens que estavam por lá numa noite de sábado. O que Frei Betto já correlacionou em um dos seus livros (“... que o Shopping Center é a ‘Catedral’ do mundo moderno”), eu confirmei de modo estarrecedor: meninos e meninas, de 17, 16, 15, 14 e até 13 anos, SOZINHOS, maquead@s, cabelos fashion e roupas pós-modernas idolatravam o único deus que lhes foi dado a conhecer: O HEDONISMO. A grande maioria não fazia, literalmente, nada. Apenas demonstravam um imenso prazer de estar ali, com vitrines, marcas, vendo exibições e exibindo-se.
Eu eduquei minhas filhas e o meu filho com valores idênticos aos das comunidades dos Atos dos Apóstolos, de Canudos, das CEBs e dos primeiros Franciscanos que chegaram ao Convento dos Capuchinhos de Itabuna, em fins dos anos 80. Sei que a maioria dos jovens e muitos dos adultos, dirão que são valores ultrapassados, sem espaço no mundo pós-moderno, dos IPhones, IPads, Tablets e fast-foods multinacionais. Será mesmo que duas décadas de novas manifestações culturais podem apagar séculos e milênios de modos de vida que produziram felicidade para muito mais gente e por muito mais tempo??? Sei também que muit@s d@s minhas/meus antig@s companheir@s se perderam em outras idolatrias, como a políticos, partidos, facções ideológicas e a marcas de cerveja, cada vez mais hegemônicas, nos comerciais de TV e no tempo que toma de cada um/a delas/es. E por isso, produtos (como livros) e valores (como todas as primeiras religiões) que duraram séculos, foram e estão sendo devastados pelo mercado, que precisa urgentemente, contar com os hormônios e a gula consumista das gerações “Y” e “Z”, marcadas por uma dificuldade imensa de ler, analisar, debater e espiritualizar a sua existência.
Mesmo minhas filhas e o meu filho (que receberam de mim todo o ideário do Cristo, de Francisco de Assis, de Gandhi, de Antônio Conselheiro, de Chico Mendes e Marina Silva), percebo que são tragad@s paulatinamente pela sociedade de consumo. Eu mesmo, dia desses precisei trocar os óculos. Fiz orçamentos em 3 óticas, como me acostumei a fazer nas compras da Escola. Pesquisei nas que considero as 3 maiores, por ser pioneiras ou ter melhores preços e estrutura. Resultado: a que oferecia a melhor armação para o novo tratamento indicado para meus olhos, tinha a armação “nike”. E aí? Não compraria óculos por ter esta marca. Não, não pude rejeitar o melhor orçamento porque seria em armações desta marca multinacional. Até porque o segundo melhor orçamento, em armações de uma marca menos “vilã”, me custaria R$ 100 a mais. Parece então que não temos saída. O que então é possível fazer para viver num mundo globalizado (outra vez parafraseando Frei Betto, “globo-colonizado”) e altamente bombardeado por apelos consumistas e dominado pelas grandes marcas, sem perder o essencial de nossa identidade?
Talvez o caminho escolhido por alguns de meus melhores amigos, de não ter “facebook” seja uma alternativa de resistência. Alguns especialistas recomendam distância das drogas para não viciar-se nelas. Nas redes sociais, vê-se um desfile interminável de vaidades, que vai desde a lista de amig@s (???), passando por fotos e mais fotos de lugares supostamente irresistíveis, chegando até à troca de informações do que se julga ser objeto de cobiça ou admiração alheia. Vou usar os meus óculos com a marquinha da Nike com certa angústia, mas compensarei tal sentimento com o prazer de continuar usando sapatilhas e sandálias de couro cru, compradas em Euclides da Cunha. Mesmo sabendo que tenho “N’s” filmes nos canais por assinatura, vou teimar em desligar a TV por uma ou duas horas à noite e vou ler novos livros (todos os de Laurentino Gomes) e reler os clássicos e Poesia, como Neruda, Graciliano, Cora Coralina, Rachel de Queiróz, Thiago de Mello, Jorge Amado, Fernando Pessoa e José Saramago.
Minha filha de 19 anos decidiu partir para Salvador e tentar trabalhar e viver por lá. Tomou essa decisão em total desalinho com o que a ensinei e demonstrei a vida inteira: sem formação completa (apenas com o Ensino Médio) e sem uma base segura de apoio, não mude para longe de sua primeira família. Num mundo globalizado, que expliquei e exemplifiquei até aqui, ninguém quer dividir preocupações, nem responsabilidades (por menores que seja) com ninguém. Tod@s vivem em função de conquistar espaços e títulos, pagar as contas e alimentar o “facebook”. Tenho tentado, com meus exemplos e com todo o meu amor, direcioná-la para “portos seguros”, mas sinto que à distância e sem apoios consistentes na capital, ela tem trilhado caminhos diferentes dos que um bom pai gostaria e isso tem sido causa de muita insônia e sensação de que estou perdendo esta importante batalha para o “deus hedonista”. Quem tem filh@s e ama @s filh@s, sabe: não @s geramos e criamos para serem submetidos às mesmas explorações e pressões capitalistas pelas quais passamos. Sei que nenhum ser humano é uma ilha, mas gostaria de criar minha própria Ilha, com a capelinha e o pregador que existiu em Canudos, todos os meus familiares QUE AGEM COMO FAMÍLIA, amig@s e colegas das CEB’s, dos primeiros grupos de Crisma, do Grupo Temático Pedro Casaldáliga, do C.A. de Letras e gente das Aldeias Indígenas. E lá, todos os dias, no início da noite, teríamos celebrações, e logo em seguida, uma cantoria e arrastapé, com todos os cantores pernambucanos, paraibanos, alguns cearenses e tantos outros do norte e sul da Bahia.
* Marcos Bispo Santos é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Rede Municipal de Itabuna; diretor do Colégio Estadual da Aldeia Indígena Caramuru Paraguaçu, Pau Brasil – BA. Colaborador da Revista Viração:     www.revistaviracao.com.br/ Fones: 73) 8177-1734 / 8805-9893/ 9141-8713.       educadorpolitico@hotmail.com

domingo, 22 de setembro de 2013

ENTREVISTA COM UBIRATAN D'AMBROSIO

A Paz Nas Escolas
Conheça as ideias do mestre Ubiratan D'Ambrosio, um homem com o olhar sempre apaixonado para o futuro

 Texto • Kátia Stringueto

Transdisciplinaridade é uma palavra esquisita e guarda um conceito ainda novo para nossos ouvidos leigos, mas vem recebendo a atenção da academia há tempos. O professor Ubiratan D’Ambrosio é um dos primeiros a falar disso no Brasil. “Trans” é mais que “multi”. É para “além de”. É um universo em que as disciplinas – matemática, literatura, geografia etc. – não só se complementam, mas principalmente incluem o indivíduo, o que sente e pensa. Nessa abordagem, a escola tem um papel fundamental na educação para a paz.

Professor emérito de matemática da Universidade Estadual de Campinas e, atualmente, da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade de São Paulo, este paulistano do bairro do Brás é um resgatador de esperança. “Só quem pode surgir com o novo é o novo. E o novo são as crianças. Com elas, poderão vir as respostas que não encontramos”, declara.

Em sua biblioteca, com mais de 10 mil livros, D’Ambrosio recebeu a reportagem de BONS FLUIDOS para esta entrevista.

BF –“Violência vem de medo. Medo, de incompreensão, que vem de ignorância. E ignorância se combate com educação.” O senhor costuma citar essa frase da professora americana Leah Weels. Como a sala de aula pode contribuir para a paz?
UD –Educação é preparar para o futuro. Os governantes pensam que isso é instrumentalizar mão-de-obra para uma indústria que está se desenvolvendo, instruir para a cidadania de modo que o sujeito seja cumpridor de leis. Mas, se só pensarem desse jeito, nós não teremos muito futuro. Corremos o risco de formar uma geração, duas, três para viver como nós, e esse é um mundo inviável. Um bom engenheiro, um bom agricultor, o que eles vão fazer? Abrir mais terreno para plantar mais. E isso sabemos que tem impacto no meio ambiente. Você tem que produzir mais alimento, claro, mas não deve sacrificar uma fonte vital, como a água e as árvores. O que cabe a nós, educadores, engenheiros, cientistas? Encontrar alternativas.

BF – Por onde se começa?
UD – Incluindo os aspectos emocional e espiritual. Na hora em que você faz uma usina hidrelétrica e cobre um lugar onde estavam as raízes de muitas pessoas, nem percebe a angústia que gerou. A transposição do rio São Francisco é o caso mais recente. O rio se passasse por outra região, beneficiaria mais gente. Há méritos nisso. Por outro lado, as pessoas que hoje estão perto dele sentirão um vazio quando ele mudar de lugar. E não estamos pensando no impacto desse vazio a médio e longo prazo. É mais ou menos o que acontece com uma árvore sem raiz. Se bater um vento forte, ela tomba. Assim se dá com o indivíduo que imigrou para fugir da seca, para fugir da violência, para buscar novas oportunidades. O que acontece com ele? Como fica seu passado e sua tradição?

BF – Ele carrega tudo consigo, não?
UD – Isso desaparece. Mesmo na cozinha. Os filhos começam a comer mais fast food do que a comida tradicional dos pais. Então, a escola básica tem como responsabilidade valorizar a cultura dos pais. Estimular a curiosidade da criança, pedindo para ela perguntar, por exemplo, como era a vida deles ou com o que o pai brincava quando tinha a idade dela. Dificilmente uma criança vai para casa perguntar uma coisa que só os pais sabem.

BF – Em qualquer extrato social?
UD – Os filhos dos engenheiros, dos professores, dos jornalistas enfrentam o seguinte problema: a falta de tempo dos pais. O pai paga o professor particular, dá um computador melhor, mas não estuda com o filho. A comunicação continua interrompida entre as gerações. Ao trabalhar com isso, a escola devolve a dignidade. Quando os pais se tornam detentores de um conhecimento que interessa ao filho, ambos se beneficiam. Isso valoriza a geração mais velha e dá às crianças legitimidade para admirar os pais. “Poxa, até que essa geração mais velha tem algo a oferecer”, pensam. E é nisso que se inserem as tradições. A escola pode ajudar? Mas é claro. Só a escola.

BF – Como o senhor relaciona a tradição e o combate à violência?
UD – Aí entra a crítica. Nessa lembrança do passado, os pais imigrantes, por exemplo, vão contar a violência social que os fez deixarem a casa, e os filhos, sentir que não é esse o caminho a repetir.

BF – O senhor está falando em recuperar a dignidade.
UD – Essa é a maior violência que pode haver. E a sala de aula pode interferir. Se você quer manter a vida, reconheça a essencialidade do outro. Simplesmente porque, sem ele, não há você nem nada mais será gerado. E não adianta só ser outro igual a você. Tem que ser diferente. Só posso dar continuidade à vida se encontro uma mulher e tenho um filho.

BF – Por que estamos tão longe desse raciocínio macro?
UD – Cada um se pensa como indivíduo, mas esquece que é uma criatura extinta se não tiver o outro. O que aconteceria com o Palmeiras se o Corinthians desaparecesse? Nos esportes, essa interdependência fica evidente: como os times podem jogar se forem iguais e não houver adversário? O conflito é importante. Agora, o conflito não significa o confronto, que tem por objetivo subordinar e mesmo eliminar uma das partes. A paz e a sobrevivência têm que ser baseadas na convivência entre os diferentes. Eu não vou transformar minha mulher em um homem para poder viver com ela. Ela vai poder ser mulher, completamente diferente. Isso, aliás, é o que há de mais criativo e agradável.

BF – A matemática, a gramática e a história ajudam o aluno da escola básica a entender a necessidade da diferença?
UD –Nossa conversa toda é mais de natureza filosófica, mas o modelo escolar nunca está separado. Vamos pensar na matemática. O professor diz: eu tenho tantos mil reais e o outro não tem nada. Para ter uma vida boa, precisaria de tanto. E o resto? Coloco no banco e ele vai aumentando. O outro tem quase nada. Mas ele precisa de coisas para sobreviver, assim como eu. Como vai fazer? Vai procurar no banco. O banco tem porque eu deixei o dinheiro que não uso lá. Aí o banco empresta para ele e cobra uma fortuna de juros. A minha vida fica cada vez mais perfeita porque eu ganho juros do outro. E a vida dele fica cada vez pior. Alguns dizem que esse tipo de reflexão não é para criança. Discordo.

BF – Qual seria, então, um sistema alternativo?
UD –Eu não sei. Os que estão aí na política também não. Quem pode saber um novo sistema? A criançada de hoje, que pode surgir com algumas idéias que a nós não ocorrem. Essa é uma grande falha da escola hoje. Estimula-se um sentimento de que alguém é melhor, o professor, e merece a medalha de ouro. Esquece-se de que, sem adversário, não haveria medalha alguma. Aí pode estar a raiz do conflito. Pois embute o conceito de que, se alguém é superior, o outro pode ser subjugado. Toda vez que o outro – seja uma criança, seja um povo – não é respeitado como ser pensante, há a possibilidade de o conflito virar um confronto. No fundo, é preciso aprender a lidar com o encontro de culturas. Evidentemente que há conflitos, mas precisam ser resolvidos sem o cala-boca. Assim se constrói uma criança livre, capaz de pensar por si. Se ela fizer isso, nós teremos uma chance de que pense o novo.

BF – Esse pensamento é bastante transdisciplinar, não?
UD –É. Todas essas coisas estão subordinadas a algo maior, no qual, penso eu, as crianças são como pássaros. Se vivem presas, com medo, sem poder falar muito porque falam errado, sem poder se mexer muito porque são estabanadas, acabam com um comportamento que não ajuda na formação do novo. A grande responsabilidade de nós, educadores, não é dizer que o mundo deve ser assim ou assado porque, se soubéssemos o que é melhor, já teríamos feito. Precisamos dar espaço à criança durante seu processo de aprendizado. Lá na frente, não basta abrir a porta da gaiola. Se ela não praticou, não saberá voar.

(FONTE: REVISTA BONS FLUIDOS)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

15 TEMAS POSSÍVEIS DE REDAÇÃO PARA O CONCURSO DO TRT


TEMAS DE REDAÇÃO PARA O CONCURSO DO TRT:

- O trabalho na construção da dignidade humana;
- O trabalho infantil;
- O trabalho escravo em pleno século XXI;
- A humanização no ambiente de trabalho;
- A mais valia;
- O desemprego na sociedade de consumo;
- O papel do Estado na criação de novos postos de trabalho;
- A celeridade/morosidade da Justiça do Trabalho;
- As relações interpessoais no ambiente profissional;
- Ética e respeito no trabalho e na sociedade;
- Cotas para trabalhadores deficientes;
- A inclusão social e o trabalho;
- A PLR e o lucro das instituições;
- A meritocracia como incentivo;
- Violência ou assédio moral/sexual no trabalho.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

HISTÓRIA DE UM FDP

Meu nome é Afonso Soares, e resolvi contar algo que se passou comigo:
Estava sentado no meu escritório quando me lembrei de uma chamada telefônica que tinha que fazer. Encontrei o número e disquei. Atendeu-me um cara mal humorado dizendo:
- Fale!!!
- Bom dia. Poderia falar com Andréa? O cara do outro lado resmungou algo que não entendi e desligou na minha cara. Não podia acreditar que existia alguém tão grosso.
Depois disso, procurei na minha agenda o número correto da Andréa e liguei.
O problema era que eu tinha invertido os dois últimos dígitos do seu número. Depois de falar com a Andréa, observei o número errado ainda anotado sobre a minha mesa. Decidi ligar de novo. Quando a mesma pessoa atendeu, falei:
- Você é um Filho da puta!!! Desliguei imediatamente e anotei ao lado do número a expressão "Filho da puta" e deixei o papel sobre a minha agenda.
Assim, quando estava nervoso com alguém, ou em um mau momento do dia, ligava para ele, e quando atendia, lhe dizia "Você é um Filho da puta" e desligava sem esperar resposta. Isto me fazia sentir realmente muito melhor. Ocorre que a Telepar introduziu o novo serviço "bina" de identificação de chamadas, que me deixou preocupado e triste porque teria que deixar de ligar para o "Filho da puta". Então, tive uma ideia: disquei o seu número de telefone, ouvi a sua voz dizendo "Alô" e mudei de identidade:
- Boa tarde, estou ligando da área de vendas da Telepar, para saber se o senhor conhece o nosso serviço de identificador de chamadas "bina".
- Não estou interessado! - disse ele, e desligou na minha cara. O cara era mesmo mal-educado. Rapidamente, disquei novamente:
- Alô?
- É por isso que você é um Filho da puta!!! e desliguei. Aqui vale até uma sugestão: se existe algo que realmente está lhe incomodando, você sempre pode fazer alguma coisa para se sentir melhor: simplesmente disque 0xx41-xx43.6732 ou o número de algum outro Filho da puta a que você conheça (pode ser o Eurico Miranda), e diga para ele o que ele realmente é.
Acontece que eu fui até o shopping, no centro da cidade, comprar umas camisas. Uma senhora estava demorando muito tempo para tirar o carro de uma vaga no estacionamento. Cheguei a pensar que nunca fosse sair.
Finalmente seu carro começou a mover-se e a sair lentamente do seu espaço. Dadas às circunstâncias, decidi retroceder meu carro um pouco para dar à senhora todo o espaço que fosse necessário: "Grande!" pensei, "finalmente vai embora".
Imediatamente, apareceu um Vectra preto vindo do outro lado do estacionamento e entrou de frente na vaga da senhora que eu estava esperando. Comecei a tocar a buzina e a gritar:
- Ei, amigo. Não pode fazer isso! Eu estava aqui primeiro!
- O cara do Vectra simplesmente desceu do carro, fechou a porta, ativou o alarme e caminhou no sentido do shopping, ignorando a minha presença, como se não estivesse ouvindo.
Diante da sua atitude, pensei: "Esse cara é um grande Filho da puta! Com toda certeza tem uma grande quantidade de Filhos da puta neste mundo!". Foi aí que percebi que o cara tinha um aviso de "VENDE-SE" no vidro do Vectra.
Então, anotei o seu número telefônico e procurei outra vaga para estacionar.
Depois de alguns dias, estava sentado no meu escritório e acabara de desligar o telefone - após ter discado o 0xx41-xx43.6732 do meu velho amigo e dizer "Você é um Filho da puta" (agora já é muito fácil discar pois tenho o seu número na memória do telefone), quando vi o número que havia anotado do cara do Vectra preto e pensei: "Deveria ligar para esse cara também". E foi o que fiz. Depois de um par de toques alguém atendeu:
- Alô.
- Falo com o senhor que está vendendo um Vectra preto?
- Sim, é ele.
- Poderia me dizer onde posso ver o carro?
- Sim, eu moro na Rua XV, n° 27. É uma casa amarela e o Vectra está estacionado na frente.
- Qual e o seu nome?
- Meu nome e Eduardo C. Marques - diz o cara.
- Que hora é mais apropriada para encontrar com você, Eduardo?
- Pode me encontrar em casa à noite e nos finais de semana.
- É o seguinte Eduardo, posso te dizer uma coisa?
- Sim.
- Eduardo, você é um tremendo Filho da puta!! - e desliguei o telefone.
Depois de desligar, coloquei o número do telefone do Eduardo (que parecia não ter "bina", pois não fui importunado depois que falei com ele) na memória do meu telefone. Agora eu tinha um problema:
Eram dois "Filhos da puta" para ligar. Após algumas ligações ao par de "Filhos da puta" e desligar-lhes, a coisa não era tão divertida como antes. Este problema me parecia muito sério e pensei em uma solução: em primeiro lugar, liguei para o "Filho da puta 1". O cara, mal-educado como sempre, atendeu:
- Alô - e então falei:
- Você é um Filho da puta - mas desta vez não desliguei.
O "Filho da puta 1" diz:
Ainda está aí, desgraçado?
- Siiimmmmmmmm, amorrrrrr!!! - respondi rindo.
- Pare de me ligar, seu filho da mãe - disse ele, irritadíssimo.
- Não paro nããão, Filho da putinha querido!!!
- Qual é o teu nome, lazarento? - berrou ele, descontrolado!
Eu, com voz séria de quem também está bravo, respondi:
- Meu nome é Eduardo Cerqueira Marques, seu Filho da Puta. Por quê???
- Onde você mora, que eu vou aí te pegar, desgraçado? - gritou ele.
- Você acha que eu tenho medo de um Filho da puta? Eu moro na Rua XV, n°27, em uma casa amarela, e o meu Vectra preto está estacionado na frente, seu palhaço filho da puta. E agora, vai fazer o quê???? ? gritei eu.
- Eu vou até aí agora mesmo, cara. É bom que comece a rezar, porque você já era. - rosnou ele.
- Uuiii! É mesmo? Que medo me dá, Filho da puta. Você é um bosta! E eu estou na porta da minha casa te esperando!!! Desliguei o telefone na cara dele. Imediatamente liguei para o "Filho da puta 2".
- Alô - diz ele.
- Fala, grande Filho da puta!!!
- Cara, se eu te encontrar vou...
- Vai o quê? O que você vai fazer??? Seu Filho da puta!
- Vou chutar a sua boca até não ficar nenhum dente, cara!!!
- Acha que eu tenho medo de você, Filho da puta?
- Vou te dar uma grande oportunidade de tentar chutar minha boca, pois estou indo para tua casa, seu Filho da puta!!! E depois de arrebentar sua cara, vou quebrar todos os vidros desta ***** de Vectra que você tem. E reze para eu não botar fogo nessa casa amarelinha de *****. Se for homem, me espera na porta em 5 minutos, seu Filho da puta! - e bati o telefone no gancho. Logo, fiz outra ligação, desta vez para a polícia.
Usando uma voz afetada e chorosa, falei que estava na Rua XV, n° 57, e que ia matar o meu namorado homossexual assim que ele chegasse em casa.
Finalmente, peguei o telefone e liguei o programa da CNT "Cadeia", do Alborguetti, para reportar que ia começar uma briga de um marido que ia voltando mais cedo para casa para pegar o amante da mulher que morava na Rua XV, n° 27. Depois de fazer isto, peguei o meu carro e fui para Rua XV, n° 27, para ver o espetáculo.
Foi demais, observar um par de "Filhos da puta" chutando-se na frente de duas equipes de reportagem, até a chegada de 03 viaturas e um helicóptero da polícia, levando os dois algemados e arrebentados para a delegacia.
Moral da história? - Não tem moral nenhuma! Foi sacanagem mesmo...

E vê se atende ao telefone educadamente, pois pode ser eu ligando para você por engano...

terça-feira, 17 de setembro de 2013

ENTREVISTA COM UMBERTO ECO

ELETRÔNICOS DURAM 10 ANOS; LIVROS, 05 SÉCULOS’, DIZ UMBERTO ECO

Umberto Eco assina novo trabalho em parceria com o roteirista francês Jean-Claude Carrière. Ensaísta e escritor italiano fala em entrevista exclusiva de seu novo trabalho, ‘Não Contem com o Fim do Livro’ Umberto Eco.

MILÃO – O bom humor parece ser a principal característica do semiólogo, ensaísta e escritor italiano Umberto Eco. Se não, é a mais evidente. Ao pasmado visitante, boquiaberto diante de sua coleção de 30 mil volumes guardados em seu escritório/residência em Milão, ele tem duas respostas prontas quando é indagado se leu toda aquela vastidão de papel. “Não. Esses livros são apenas os que devo ler na semana que vem. Os que já li estão na universidade” – é a sua preferida. “Não li nenhum”, começa a segunda. “Se não, por que os guardaria?” Na verdade, a coleção é maior, beira os 50 mil volumes, pois os demais estão em outra casa, no interior da Itália. E é justamente tal paixão pela obra em papel que convenceu Eco a aceitar o convite de um colega francês, Jean-Phillippe de Tonac, para, ao lado de outro incorrigível bibliófilo, o escritor e roteirista Jean-Claude Carrière, discutir a perenidade do livro tradicional. Foram esses encontros (“muito informais, à beira da piscina e regados com bons uísques”, informa Umberto Eco) que resultaram em Não Contem Com o Fim do Livro, que a editora Record lança na segunda quinzena de abril.
A conclusão é óbvia: tal qual a roda, o livro é uma invenção consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem como detê-lo. Qualquer dúvida é sanada ao se visitar o recanto milanês de Eco, como fez o Estado na última quarta-feira. Localizado diante do Castelo Sforzesco, o apartamento – naquele dia soprado por temperaturas baixíssimas, a neve pesada insistindo em embranquecer a formidável paisagem que se avista de sua sacada – encontra-se em um andar onde antes fora um pequeno hotel. “Se eram pouco funcionais para os hóspedes, os longos corredores são ótimos para mim pois estendo aí minhas estantes”, comenta o escritor, com indisfarçável prazer, ao apontar uma linha reta de prateleiras repletas que não parecem ter fim. Os antigos quartos? Transformaram-se em escritórios, dormitórios, sala de jantar, etc. O mais desejado, no entanto, é fechado a chave, climatizado e com uma janela que veda a luz solar: lá estão as raridades, obras produzidas há séculos, verdadeiros tesouros. Isso mesmo: tesouros de papel.
Conhecido tanto pela obra acadêmica (é professor aposentado de semiótica, mas ainda permanece na ativa na Faculdade de Bolonha) como pelos romances (O Nome da Rosa, publicado em 1980, tornou-se um best-seller mundial), Eco é um colecionador nato; além de livros, gosta também de selos, cartões-postais, rolhas de champanhe. Na sala de seu apartamento, estantes de vidro expõem tantos os livros raros – que, no momento, lideram sua preferência – como conchas, pedras, pedaços de madeira. As paredes expõem quadros que Eco arrematou nas visitas que fez a vários países ou que simplesmente ganhou de amigos – caso de Mário Schenberg (1914-1990), físico, político e crítico de arte brasileiro, de quem o escritor guarda as melhores recordações.
Aos 78 anos, Eco – que tem relançado no País Arte e Beleza na Estética Medieval (Record, 368 págs., R$ 47,90, tradução de Mario Sabino) – exibe uma impressionante vitalidade. Diverte-se com todo tipo de cinema (ao lado de seu aparelho de DVD repousa uma cópia da animação Ratatouille), mantém contato com seus alunos em Bolonha, escreve artigos para jornais e revistas e aceita convites para organizar exposições, como a que o transformou, no ano passado, em curador, no Museu do Louvre, em Paris. Lá, o autor teve o privilégio de passear sozinho pelos corredores do antigo palácio real francês nos dias em que o museu está fechado. E, como um moleque levado, aproveitou para alisar o bumbum da Vênus de Milo. Foi com esse mesmo espírito bem-humorado que Eco – envergando um elegante terno azul-marinho, que uma revolta gravata da mesma cor tratava de desalinhar; o rosto sem a característica barba grisalha (raspada religiosamente a cada 20 anos e, da última vez, em 2009, também porque o resistente bigode preto o fazia parecer Gengis Khan nas fotos) – conversou com a reportagem do Sabático.

O livro não está condenado, como apregoam os adoradores das novas tecnologias?
O desaparecimento do livro é uma obsessão de jornalistas, que me perguntam isso há 15 anos. Mesmo eu tendo escrito um artigo sobre o tema, continua o questionamento. O livro, para mim, é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais. Continua o mesmo e é difícil de ser substituído. O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação. Os eletrônicos chegaram, mas percebemos que sua vida útil não passa de dez anos. Afinal, ciência significa fazer novas experiências. Assim, quem poderia afirmar, anos atrás, que não teríamos hoje computadores capazes de ler os antigos disquetes? E que, ao contrário, temos livros que sobrevivem há mais de cinco séculos? Conversei recentemente com o diretor da Biblioteca Nacional de Paris, que me disse ter escaneado praticamente todo o seu acervo, mas manteve o original em papel, como medida de segurança.

Qual a diferença entre o conteúdo disponível na internet e o de uma enorme biblioteca?
A diferença básica é que uma biblioteca é como a memória humana, cuja função não é apenas a de conservar, mas também a de filtrar – muito embora Jorge Luis Borges, em seu livro Ficções, tenha criado um personagem, Funes, cuja capacidade de memória era infinita. Já a internet é como esse personagem do escritor argentino, incapaz de selecionar o que interessa – é possível encontrar lá tanto a Bíblia como Mein Kampf, de Hitler. Esse é o problema básico da internet: depende da capacidade de quem a consulta. Sou capaz de distinguir os sites confiáveis de filosofia, mas não os de física. Imagine então um estudante fazendo uma pesquisa sobre a 2.ª Guerra Mundial: será ele capaz de escolher o site correto? É trágico, um problema para o futuro, pois não existe ainda uma ciência para resolver isso. Depende apenas da vivência pessoal. Esse será o problema crucial da educação nos próximos anos.

Não é possível prever o futuro da internet?
Não para mim. Quando comecei a usá-la, nos anos 1980, eu era obrigado a colocar disquetes, rodar programas. Hoje, basta apertar um botão. Eu não imaginava isso naquela época. Talvez, no futuro, o homem não precise escrever no computador, apenas falar e seu comando de voz será reconhecido. Ou seja, trocará o teclado pela voz. Mas realmente não sei.

Como a crescente velocidade de processar dados de um computador poderá influenciar a forma como absorvemos informação?
O cérebro humano é adaptável às necessidades. Eu me sinto bem em um carro em alta velocidade, mas meu avô ficava apavorado. Já meu neto consegue informações com mais facilidade no computador do que eu. Não podemos prever até que ponto nosso cérebro terá capacidade para entender e absorver novas informações. Até porque uma evolução física também é necessária. Atualmente, poucos conseguem viajar longas distâncias – de Paris a Nova York, por exemplo – sem sentir o desconforto do jet lag. Mas quem sabe meu neto não poderá fazer esse trajeto no futuro em meia hora e se sentir bem?

É possível existir contracultura na internet?
Sim, com certeza, e ela pode se manifestar tanto de forma revolucionária como conservadora. Veja o que acontece na China, onde a internet é um meio pelo qual é possível se manifestar e reagir contra a censura política. Enquanto aqui as pessoas gastam horas batendo papo, na China é a única forma de se manter contato com o restante do mundo.

Em um determinado trecho de ‘Não Contem Com o Fim do Livro’, o senhor e Jean-Claude Carrière discutem a função e preservação da memória – que, como se fosse um músculo, precisa ser exercitada para não atrofiar.
De fato, é importantíssimo esse tipo de exercício, pois estamos perdendo a memória histórica. Minha geração sabia tudo sobre o passado. Eu posso detalhar sobre o que se passava na Itália 20 anos antes do meu nascimento. Se você perguntar hoje para um aluno, ele certamente não saberá nada sobre como era o país duas décadas antes de seu nascimento, pois basta dar um clique no computador para obter essa informação. Lembro que, na escola, eu era obrigado a decorar dez versos por dia. Naquele tempo, eu achava uma inutilidade, mas hoje reconheço sua importância. A cultura alfabética cedeu espaço para as fontes visuais, para os computadores que exigem leitura em alta velocidade. Assim, ao mesmo tempo que aprimora uma habilidade, a evolução põe em risco outra, como a memória. Lembro-me de uma maravilhosa história de ficção científica escrita por Isaac Asimov, nos anos 1950. É sobre uma civilização do futuro em que as máquinas fazem tudo, inclusive as mais simples contas de multiplicar. De repente, o mundo entra em guerra, acontece um tremendo blecaute e nenhuma máquina funciona mais. Instala-se o caos até que se descobre um homem do Tennessee que ainda sabe fazer contas de cabeça. Mas, em vez de representar uma salvação, ele se torna uma arma poderosa e é disputado por todos os governos – até ser capturado pelo Pentágono por causa do perigo que representa (risos). Não é maravilhoso?

No livro, o senhor e Carrière comentam sobre como a falta de leitura de alguns líderes influenciou suas errôneas decisões.
Sim, escrevi muito sobre informação cultural, algo que vem marcando a atual cultura americana que parece questionar a validade de se conhecer o passado. Veja um exemplo: se você ler a história sobre as guerras da Rússia contra o Afeganistão no século 19, vai descobrir que já era difícil combater uma civilização que conhece todos os segredos de se esconder nas montanhas. Bem, o presidente George Bush, o pai, provavelmente não leu nenhuma obra dessa natureza antes de iniciar a guerra nos anos 1990. Da mesma forma que Hitler devia desconhecer os relatos de Napoleão sobre a impossibilidade de se viajar para Moscou por terra, vindo da Europa Ocidental, antes da chegada do inverno. Por outro lado, o também presidente americano Roosevelt, durante a 2.ª Guerra, encomendou um detalhado estudo sobre o comportamento dos japoneses para Ruth Benedict, que escreveu um brilhante livro de antropologia cultural, O Crisântemo e a Espada. De uma certa forma, esse livro ajudou os americanos a evitar erros imperdoáveis de conduta com os japoneses, antes e depois da guerra. Conhecer o passado é importante para traçar o futuro.

Diversos historiadores apontam os ataques terroristas contra os americanos em 11 de setembro de 2001 como definidores de um novo curso para a humanidade. O senhor pensa da mesma forma?
Foi algo realmente modificador. Na primeira guerra americana contra o Iraque, sob o governo de Bush pai, havia um confronto direto: a imprensa estava lá e presenciava os combates, as perdas humanas, as conquistas de território. Depois, em setembro de 2001, se percebeu que a guerra perdera a essência de confronto humano direto – o inimigo transformara-se no terrorismo, que podia se personificar em uma nação ou mesmo nos vizinhos do apartamento ao lado. Deixou de ser uma guerra travada por soldados e passou para as mãos dos agentes secretos. Ao mesmo tempo, a guerra globalizou-se; todos podem acompanhá-la pela televisão, pela internet. Há discussões generalizadas sobre o assunto.

Falando agora sobre sua biblioteca, é verdade que ela conta com 50 mil volumes?
Sim, de uma forma geral. Nesse apartamento em Milão, estão apenas 30 mil – o restante está no interior da Itália, onde tenho outra casa. Mas sempre me desfaço de algumas centenas, pois, como disse antes, é preciso fazer uma filtragem.

Por que o senhor impediu sua secretária de catalogá-los?
Porque a forma como você organiza seus livros depende da sua necessidade atual. Tenho um amigo que mantém os seus em ordem alfabética de autores, o que é absolutamente estúpido, pois a obra de um historiador francês vai estar em uma estante e a de outro em um lugar diferente. Eu tenho aqui literatura contemporânea separada por ordem alfabética de países. Já a não contemporânea está dividida por séculos e pelo tipo de arte. Mas, às vezes, um determinado livro pode tanto ser considerado por mim como filosófico ou de estética da arte; depende do motivo da minha pesquisa. Assim, reorganizo minha biblioteca segundo meus critérios e somente eu, e não uma secretária, pode fazer isso. Claro que, com um acervo desse tamanho, não é fácil saber onde está cada livro. Meu método facilita, eu tenho boa memória, mas, se algum idiota da família retira alguma obra de um lugar e a coloca em outro, esse livro está perdido para sempre. É melhor comprar outro exemplar (risos).

Um estudioso que também é seu amigo, Marshall Blonsky, escreveu certa vez que existe de um lado Umberto, o famoso romancista, e de outro Eco, professor de semiótica.
E ambos sou eu (risos). Quando escrevo romances, procuro não pensar em minhas pesquisas acadêmicas – por isso, tiro férias. Mesmo assim, leitores e críticos traçam diversas conexões, o que não discuto. Lembro de que, quando escrevia O Pêndulo de Foucault, fiz diversas pesquisas sobre ciência oculta até que, em um determinado momento, elas atingiram tal envergadura que temi uma teorização exagerada no romance. Então, transformei todo o material em um curso sobre ciência oculta, o que foi muito bem-feito.

Por falar em ‘O Pêndulo de Foucault’, comenta-se que o senhor antecipou em muito tempo O Código de Da Vinci, de Dan Brown.
Quem leu meu livro sabe que é verdade. Mas, enquanto são os meus personagens que levam a sério esse ocultismo barato, Dan Brown é quem leva isso a sério e tenta convencer os leitores de que realmente é um assunto a ser considerado. Ou seja, fez uma bela maquiagem. Fomos apresentados neste ano em uma première do Teatro Scala e ele assim se apresentou: “O senhor não me admira, mas eu gosto de seus livros.” Respondi: Não é que eu não goste de você – afinal, eu criei você (risos).

Em seu mais conhecido romance, O Nome da Rosa, há um momento em que se discute se Jesus chegou a sorrir. É possível pensar em senso de humor quando se trata de Deus?
De acordo com Baudelaire, é o Diabo quem tem mais senso de humor (risos). E, se Deus realmente é bem-humorado, é possível entender por que certos homens poderosos agem de determinada maneira. E se ainda a vida é como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, como Shakespeare apregoa em Macbeth, é preciso ainda mais senso de humor para entender a trajetória da humanidade.

Como foi a exposição no Museu do Louvre, em Paris, da qual o senhor foi curador, no ano passado?
Há quatro anos, o museu reserva um mês para um convidado (Toni Morrison foi escolhida certa vez) organizar o que bem entender. Então, me convidaram e eu respondi que queria fazer algo sobre listas. “Por quê?”, perguntaram. Ora, sempre usei muitas listas em meus romances – até pensei em escrever um ensaio sobre esse hábito. Bem, quando se fala em listas na cultura, normalmente se pensa em literatura. Mas, como se trata de um museu, decidi elaborar uma lista visual e musical, essa sugerida pela direção do Louvre. Assim, tive o privilégio (que não foi oferecido a Dan Brown) de visitar o museu vazio, às terças-feiras, quando está fechado. E pude tocar a bunda da Vênus de Milo (risos) e admirar a Mona Lisa a apenas 20 centímetros de distância.

O senhor esteve duas vezes no Brasil, em 1966 e 1979. Que recordações guarda dessas visitas?
Muitas. A primeira, em São Paulo, onde dei algumas aulas na Faculdade de Arquitetura (da USP), que originaram o livro A Estrutura Ausente. Já na segunda fui acompanhado da família e viajamos de Manaus a Curitiba. Foi maravilhoso. Lembro-me de meu editor na época pedindo para eu ficar para o carnaval e assistir ao desfile das escolas de samba de camarote, o que não pude atender. E também me recordo de imagens fortes, como a da moça que cai em transe em um terreiro (para o qual fui levado por Mario Schenberg) e que reproduzo em O Pêndulo de Foucault.

(Ubiratan Brasil, para o Caderno 2 do Estadão. Extraído de DigitalManuscripts)


domingo, 15 de setembro de 2013

A NOSSA LIBERDADE

            Liberdade para quê?
Liberdade para quem?
Liberdade para roubar, matar, corromper, mentir, enganar, traficar e viciar?
Liberdade para ladrões, assassinos, corruptos e corruptores, para mentirosos, traficantes, viciados e hipócritas?
Falam de uma “noite” que durou 21 anos, enquanto fecham os olhos para a baderna, a roubalheira e o desmando que, à luz do dia, já dura 26!
Fala-se muito em liberdade!
Liberdade que se vê de dentro de casa, por detrás das grades de segurança, de dentro de carros blindados e dos vidros fumê!
Mas, afinal, o que se vê?
Vê-se tiroteios, incompetência, corrupção, quadrilhas e quadrilheiros, guerra de gangues e traficantes, Polícia Pacificadora, Exército nos morros, negociação com bandidos, violência e muita hipocrisia.
Olhando mais adiante, enxergamos assaltos, estupros, pedófilos, professores desmoralizados, ameaçados e mortos, vemos “bullying”, conivência e mentiras, vemos crianças que matam, crianças drogadas, crianças famintas, crianças armadas, crianças arrastadas, crianças assassinadas.
Da janela dos apartamentos e nas telas das televisões vemos arrastões, bloqueios de ruas e estradas, terras invadidas, favelas atacadas, policiais bandidos e assaltos a mão armada.
Vivemos em uma terra sem lei, assistimos a massacres, chacinas e sequestros.
Uma terra em que a família não é valor, onde menores são explorados e violados por pais, parentes, amigos, patrícios e estrangeiros.
Mas, afinal, onde é que nós vivemos?
Vivemos no país da impunidade onde o crime compensa e o criminoso é conhecido, reconhecido, recompensado, indenizado e transformado em herói!
Onde bandidos de todos os colarinhos fazem leis para si, organizam “mensalões” e vendem sentenças!
Nesta terra, a propriedade alheia, a qualquer hora e em qualquer lugar, é tomada de seus donos, os bancos são assaltados e os caixas explodidos.
É aqui, na terra da “liberdade”, que encontramos a “cracolândia” e a “robauto”, “dominadas” e vigiadas pela polícia!
Vivemos no país da censura velada, do “micro-ondas”, dos toques de recolher, da lei do silêncio e da convivência pacífica do contraventor e com o homem da lei.
País onde bandidos comandam o crime e a vida de dentro das prisões, onde fazendas são invadidas, lavouras destruídas e o gado dizimado, sem contar quando destroem pesquisas cientificas de anos, irrecuperáveis!
Mas, afinal, de quem é a liberdade que se vê?
Nossa, que somos prisioneiros do medo e reféns da impunidade ou da bandidagem organizada e institucionalizada que a controla?
Afinal, aqueles da escuridão eram “anos de chumbo” ou anos de paz?
E estes em que vivemos, são anos de liberdade ou de compensação do crime, do desmando e da desordem?
Quanta falsidade, quanta mentira quanta canalhice ainda teremos que suportar, sentir e sofrer, até que a indignação nos traga de volta a vergonha, a auto estima e a própria dignidade?
Quando será que nós, homens e mulheres de bem, traremos de volta a nossa liberdade?
Paulo Chagas é General da Reserva
do
Exército do Brasil.
08-06-2013

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

LINDA CRÔNICA DE EÇA DE QUEIROZ

O POVO
(Eça de Queiroz)


Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades do coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, e se lamentam em vão.
Estes homens são o Povo.
Estes homens, sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas, e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua forca, para criar a pão, o alimento de todos.
Estes são o Povo, e são os que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem.
Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o Povo, e são as que nos enriquecem.
Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, a neve, a chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.
Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados.
Estes homens são os que nos servem.
E por isso que os que têm coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo.

E ainda que não sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema.