“Essa Gente e outros poemas”: a poética do
cotidiano metamorfoseada em um grito de liberdade
Lançamento do livro Essa gente e outros poemas. |
“Essa
gente” é o poema que determina o ritmo e o lugar deste tão esperado livro de
Walmir do Carmo. Com o título “Essa gente e outros poemas” o livro ganha a
forma de publicação que muitos de nós, grapiúna,
já estamos acostumados a ouvir nas declamações desse ativista político,
ecológico e estético. Não temos aqui, portanto, nas mãos, apenas um livro de
poemas, um acabamento gráfico de uma escrita que não finda, nem somente uma
diagramação formal de sentimentos e ações. Temos, sim, a expressão viva de uma
atividade artística marcada pela vida e por tudo o que uma existência sofrida,
mas feliz, possui: a capacidade de exprimir de forma simples e direta as dores
do outro, o olhar do outro, a cicatriz do outro.
É
como um refém da liberdade que o poeta se insinua imaginariamente por entre
sopros (p. 18), ilusões (p.19), pássaros (p. 20), e palavras (p. 21) em seus
poemas iniciais. O exercício pleno do ser vivo livre e certo das suas
possibilidades ganha força logo no começo do livro e se desenvolve, perpassando
outros tons durante o acontecer da obra.
Nesse
sentido, ele mesmo poderia ironicamente desdenhar deste singelo prefácio,
afirmando, quiçá, que isto “É velho, muito velho!” Pois bem, no Poema Velho,
Walmir do Carmo presta, assim, a sua homenagem àqueles que serviram [e parecem
ainda servir] de farol para o seu barco poético a navegar por entre os mares da
vida. É aqui que o poeta revela toda a sua acidez verbal através de uma crítica
feroz a autores, gêneros musicais e estéticos, em um evidente jogo de cena,
entre contradições e conjunções que se casam sem qualquer problema no texto poético.
Assim, depois de perpassar por nomes (de poetas e artistas em geral) e estilos
(de arte e cultura), o poeta pode concluir algo aterrador: “Quer saber de uma
coisa? Não leia a Bíblia! É velha/ Não reze para Deus! Não peça nada a Deus!
Não agradeça nunca a Deus! É velho, muito velho”.
Mas,
nem só de crítica estética e social se faz o pão-nosso-de-cada-dia, nos poemas
de Walmir do Carmo. O poeta canta ainda a Terra mãe (p. 32), O espírito da mata
(p. 33) e brinca com a chegada da TV (p.36) em nossa terra de uma forma lírica
e leve, mostrando-nos o quanto de sedutor esse canal de entretenimento e
informação possui, afinal, “Visitar pessoa na hora da TV antenada/ é ficar mudo
na sala-de-estar/ e correr o risco de sair calado”.
Walmir do Carmo autografando seu livro de poemas. |
Notamos,
claramente, o tom irônico do bem que se torna um mal no cotidiano da gente.
Outro
tema dentro do livro é o lamento. O lamento é aquilo que o poeta mais canta e
com ele
também as suas dores, as dores da cidade e as dores da vida. E mesmo frente a
toda dificuldade e, até mesmo preconceito, afinal, Walmir do Carmo é negro e
faz da sua negritude um motivo de orgulho para quem do negro tenta inescrupulosamente
arrancar-lhes o sentido e a razão de ser. Por isso ele pode afirmar: “Tem gente
que fala mal da gente/ e pensa que a gente não/ sabe os defeitos dessa gente”.
Ser
negro não pode ser um mal ou um óbice para este poeta ser lido, cantado e
repetido. Ser negro é mesmo o motivo pelo qual ele deve ser lido e recitado em
Itabuna [e por entre as vielas dos bairros mais periféricos da cidade], que o
poeta, tão cruamente canta e eleva à condição de musa inspiradora.
Sim,
Itabuna parece ser a sua maior motivação estética, pois eis nas suas palavras o
encanto que ela traz: “Eu gosto de te ver assim:/ ladeada de plantas e belos/
jardins que florescem a cada manhã/ Gosto de te ver assim:/ Sorridente e
feliz”.
Itabuna
e seus mistérios, Itabuna e suas belezas e desigualdades também é cantada aqui
de forma simples e direta. Em muitos dos poemas dedicados aos recantos da
terra, que ao poeta deu guarida, notamos o tom de agradecimento [e de denúncia,
algumas vezes], a exemplo dos poemas: Gogó da Ema (p. 58), Palmeira Imperial do
Hospital Santa Cruz (p. 62), Andanças (p. 64), e Catástrofe Urbana (p. 86).
Neste último poema, Walmir do Carmo faz uma verdadeira declaração de amor para
a cidade ao vê-la entregue a todo tipo de descaso e, por fim, afirma: “Juro,
Itabuna, choro por você”.
Além
desses temas, muitos outros visitam a escritura do poeta, no entanto, todo o
drama humano no seu fazer cotidiano parece destacar-se dos demais, daí o poeta
caminhar sempre só pelo mundo, sozinho numa solidão sem fim.
Portanto,
poderíamos dizer a guisa de conclusão para esse singelo prefácio, que o
caminhar humano sobre a terra compara-se ao arrastar-se lento e sem rumo de uma
pequena traça, afinal, “A traça/ traça o troço/ e destroça/a ideia/ acumulada/
na memória/ Trôpego/ o homem cambaleia/e tenta recompor/ os versos/ da sua
ébria poesia”. Essa aparente insignificância de uma traça estabelece o traço
definitivo daquilo que ganha vida e lugar da poética cotidiana metamorfoseada
em um grito de liberdade, proposta por Walmir do Carmo aqui neste seu “Essa
gente e outros poemas”; pois, se somos uma traça, eis, enfim, que somos
privilegiados por sermos, sim, no fim, uma traça pensante e poeticamente
inserida em um mundo feito de esperança e fé.
Que
os leitores, portanto, saibam, na leitura deste libreto de poemas, marcar a
diferença entre o humano e uma traça.
Boa
leitura!
(Prefácio do livro por Lourival
Piligra)
Adorei... walmir é poesia e vida
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