quinta-feira, 12 de julho de 2012

REMINISCÊNCIAS ROMÂNTICAS EM MACHADO DE ASSIS



A novela a Mão e a Luva (1874), de Machado de Assis, é uma das narrativas iniciais do Bruxo do Cosme Velho, ainda sob a influência do romantismo e do convencionalismo oitocentista. Por isso, é caracterizada como da primeira fase do escritor carioca, juntamente com as obras Contos Fluminenses (1870), Ressurreição (1872), Histórias da Meia-Noite (1873), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). 
Tais obras primeiras, ainda com um Machado em idade prematura, inocente, imbuído dos ideais românticos de sua época, não rompem de vez com o costume da sociedade e pretendem acariciar as leitoras suspirantes, que ruborizam com os apelos do coração, e a crítica ainda afeita aos traços românticos.
É nesse mister que Afrânio Coutinho informa na Introdução da obra: “Caracteriza-a uma narrativa monolinear, com intriga sem maiores complicações, crescendo em ordem cronológica, em torno de pequeno número de personagens. A ação simples, diz o autor na advertência de 1907, serveapenas de tela em que lancei os contornos dos perfis’. (p. 17)
Assim, passamos a analisar os aspectos formais de A Mão e a Luva, como texto narrativo que se propõe.

ENREDO

O enredo de A mão e a Luva pode ser facilmente identificado com uma marcação um tanto quanto fixa:

a)           A exposição ou a apresentação: no capítulo inicial os personagens principais Estevão, Guiomar e Luís Alves são mostrados e descritos, no ambiente e no tempo em que a estória se desenrola.
b)           A complicação: os conflitos da novela se dão quando o amor que Estevão sente por Guiomar não é correspondido, os problemas começam a surgir daí.
c)            O clímax: há alguns picos de tensão em A Mão e a Luva, quando Estevão decide se declarar pela segunda vez a Guiomar, quando Luís Alves fala para o amigo que ela o ama e vão se casar, mas o principal é quando Guiomar tem que decidir entre dois pretendentes: Luís Alves ou o primo, Jorge.
d)           O desfecho: o final da novela se dá com os preparativos do casamento de Luís Alves com Guiomar, com um Estevão covardemente assistindo a tudo da praia, tentando em vão se suicidar.

PERSONAGENS

Pode-se analisar os personagens do livro quanto ao papel desempenhado no enredo:
a)           Principais: Guiomar, Luís Alves e Estevão.
b)           Secundários: a baronesa, a inglesa Mrs Oswald, Jorge e mais alguns poucos que freqüentavam as festas em casa da baronesa.

Pode-se também analisar os personagens quanto à caracterização que têm no romance:
a)           Esféricas ou cíclicas: apenas Luís Alves tem essa característica, pois é um personagem que é deixado de lado, sem descrições, paira sempre um mistério sobre ele e a sua índole. No entanto, no final da novela ele dá uma reviravolta e casa-se com a outra personagem principal, Guiomar.
b)           Personagens planas: como já foi afirmado acima, todos os outros se caracterizam por ter uma índole mais ou menos previsível, atitudes e nuances que fazem supor as suas ações no desenrolar do romance, não trazendo nenhuma reviravolta ou surpresa.

FOCO NARRATIVO

Ainda sob a influência do romantismo, Machado cria um narrador que tenta buscar o leitor o tempo todo, tal qual um contador de história que necessita da atenção dos leitores. Poder-se-ia afirmar que o narrador é em terceira pessoa, narrador-observador ou onisciente, que conta a estória como se estivesse assistindo-a de longe, vendo os fatos se desenrolarem.
No entanto, ele também é um narrador intruso, como podemos ver nessas passagens: “e que o leitor saberá daqui a pouco” (p. 27), “Demos-lhe razão ao despeito com que fechou e atirou ao chão” (p. 44), “estas minúcias que aqui lhes aponto, em desempenho deste meu dever de contador de histórias” (p. 45), etc.

TEMPO

O lapso temporal do romance são de dois anos e poucos meses, tempo em que, cronologicamente, Estevão tem uma desilusão amorosa com Guiomar, forma-se em bacharel em São Paulo e retorna à corte. Daí os fatos vão acontecendo e sendo descritos pelo narrador: “Claro é que dous anos depois, quando tomou o grau de bacharel(...)” (p. 37)
Não há praticamente tempo psicológico, somente quando Estevão tenta a todo custo sobreviver das lembranças do amor ou do carinho que Guiomar tivesse dado a ele no passado, quando do primeiro flerte. São raros flash-backs apenas para acentuar o amor/a dor da personagem: “Estevão tinha-a visto pela primeira vez, seis meses antes, e desde logo sentiu-se preso por ela (...)” (p. 30)

ESPAÇO

A estória está ambientada no Rio de Janeiro, como quase em todos os romances de Machado, mais especificamente no bairro do Botafogo, onde Luís Alves e a baronesa são convenientemente vizinhos de chácaras ou sítios. Os lugares, assim como as paisagens, são pouco descritas, exceto no capítulo II (Um Roupão) e no III (Ao Pé da Cerca), quando Estevão se depara com Guiomar em um ambiente bucólico (a chácara da baronesa) e faz sentido com o ambiente interno, romantizado, que o primeiro vive.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Mão e a Luva, considerado um livro menor de Machado de Assis, por não ter rompido com o convencionalismo romântico faz com que o(a) leitor(a) sinta empatia com Luís Alves, não considerando-o um vilão, assim como a Estevão, representativo do amor visceral, romântico, à moda de Werther (referência dentro do livro de Machado), que caracterizava a época. É o que parece concordar o crítico Helio de Seixas Guimarães:

“(...) é pelos olhos do personagem (Estevão) que o leitor assiste à vitória de Guiomar e Luís Alves, assim como é o seu sofrimento que apela à simpatia do leitor, ainda que se dê em registro cômico. A comicidade associada ao personagem tem um objetivo: despertar a identificação do leitor com Estevão para corrigir, pelo riso, as idéias que o leitor eventualmente compartilhe com o personagem, caracterizado por Machado como quintessência do romantismo” (grifo nosso, p. 143)

Da mesma forma, o livro supracitado de Machado foi composto para agradar a críticos e a leitores que não viram o anterior, Ressurreição, com bons olhos:

As referências, embora negativas e associadas a uma visão de mundo e a um gosto manifestadamente retrógrados, são apresentadas de modo bastante simpático, fazendo de Estevão o principal foco de identificação do leitor e quem sabe da própria crítica que, diante de Ressurreição, cobrara de Machado um romance mais ortodoxo” (idem, p. 143-144)

Podemos ver que, mesmo atrelado ainda aos traços estilísticos da sua época, com José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Almeida, entre outros, Machado se destacava com um estro particular, diferente dos demais. Isso se dava por não atribuir aos personagens características marcadamente tropicais (MIGUEL-PEREIRA, p. 62-3), ou seja, ele os universalizava, tanto que em pleno século XXI continua sendo clássico e atual.
Em relação à novela A Mão e a Luva, podemos ver que os personagens principais (Guiomar, Estêvão e Luís Alves) são cidadãos urbanos, de classe média (Estêvão) e classe alta (Luís Alves e Guiomar, de origem simples, mas criada pela madrinha baronesa), bacharéis (os homens) e vivem um romance que tanto poderia se passar no Brasil como no Canadá ou na Inglaterra.
Ao mesmo tempo, Machado não pintou os personagens acima sendo marcadamente protagonistas e antagonistas, bons e maus, mocinhos e bandidos (Idem, p. 62-3). Guiomar quer um marido forte emocionalmente, viril e sensível, para isso nega o amor de dois dos seus pretendentes que não atendiam a esse apelo e opta por Luís Alves; Estêvão é o romântico da vez, adorna-o um amor juvenil por Guiomar, uma paixão forte, irresistível e da mesma forma de caráter fraco, covarde; e Luís Alves, valoroso, bom caráter, honesto e também frio, ambicioso, interesseiro e que não respeitou a dor do amigo, vindo a se casar com Guiomar.
Vê-se, portanto, que as personagens de A Mão e a Luva, assim como de Ressurreição, Helena e Iaiá Garcia, não são marcadamente heróis, totalmente bons, nem maus. São pessoas que mais se aproximam da realidade, da gente que povoa o planeta, ao contrário das tendências romantizadas que desejavam o bem supremo (inocente) contra o mal (vilania, amor não correspondido, etc).
Tais características distinguem Machado de Assis dos escritores românticos tradicionais e também lançam, ainda que incipientes, os germens que farão ele se tornar um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.
O rompimento de Machado, no entanto, com as correntes literárias românticas e o que era considerado “normal” literariamente na sua época só vai se tornar efetivo com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em 1881. Mas aí já é uma outra história.

BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Machado de. A Mão e a Luva. Rio de Janeiro: Edições de Ouro.

CARA, Salete de Almeida. Machado de Assis nos anos 1870: A Preparação do Romance Realista. In: O Bruxo do Cosme Velho. Machado de Assis no Espelho. São Paulo: Alameda, 2004. P. 29 a 49.

GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. Série Princípios. São Paulo: Editora Ática, 1991.

GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os Leitores de Machado de Assis. O romance Machadiano e o Público de Literatura no Século 19. São Paulo: Edusp. P. 138 a 147.

MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. Machado de Assis. In: Prosa de Ficção (De 1870 a 1920). [SR]

Um comentário:

  1. Otima análise. Parabéns pelo trabalho, prof. Gustavo.
    Com certeza me ajudou bastante, principalmente porque deixa claro a estrutura e elementos da narrativa.

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