Adeir Boida de Andrade
Engenheiro e Cacauicultor
Começo por alertar aos leitores que
não vou adentrar pelo mundo da ficção, como se poderia presumir da leitura do
título. Faltam-me o talento e o conhecimento deste mundo mágico dos “Coronéis”
do cacau e seus herdeiros, com suas farras homéricas nos velhos cabarés de
Ilhéus. Herdeiros perdulários e incompetentes estão em todo lugar, mas é
realmente instigante constatar como a ficção regional- que colocou o cacau no
simples papel de coadjuvante ou cenário - se sobrepôs à verdadeira história da
região cacaueira da Bahia.
Em 1831 o Regente Diogo Antonio Feijó criou a
Guarda Nacional (extinta pelos militares em 1922, após a Proclamação da
República) como braço do Estado para garantir a segurança e a ordem. A
Instituição militar chegou a contar com 600 mil homens, mas não conseguia
cobrir todo o território deste imenso continente chamado Brasil. Para os
rincões, foi então adotado um modelo criativo, capaz de assegurar o equilíbrio
entre a anarquia e a tirania: a concessão de um título militar a um dignitário
local, normalmente um bem sucedido produtor rural com renda superior a cem mil
réis; homem que desejasse um título, que não quisesse ser chamado apenas de
“Sinhô”! Rico, mas iletrado, o sujeito recebia o título de “Coronel” e inflava
o peito, passando a entregar ao império a sua contrapartida: cuidar da
segurança pública na sua área. E, o Coronel da época cumpriu muito bem a sua
missão, ao seu modo e ao seu tempo. Com a inevitável marca da tirania, soube
controlar a criminalidade, deixando-a em níveis melhores que os atuais!
Consta que em regra, o Império não repassava
sequer recursos para armamento e fardamento da “tropa”, composta pelos famosos
e fiéis jagunços. Uma solução brilhante, sem gastar um único centavo do
dinheiro do contribuinte do Império! Coronéis ficaram famosos nos engenhos e
plantações de cana-de-açúcar do Nordeste, e nas lavras de pedras preciosas das
Chapadas. O mais famoso Coronel da Bahia e, quiçá do Brasil, não estava na
região cacaueira, mas na Chapada Diamantina. Horácio de Matos. Ele reinou em
sua região por duas décadas e, no comando de um exercito de jagunços, enfrentou
diversas batalhas e lutou de verdade contra a chamada “Coluna Prestes”, até ser
covardemente assassinado com 3 tiros pelas costas em 1931. O seu juramento em
1912 é lapidar, e serviria de exemplo para muitos dos políticos atuais:
Não humilhar ninguém,
mas também nunca se deixar humilhar por quem quer que seja;
Não roubar jamais,
sejam quais forem as circunstâncias, nem permitir que alguém roube e fique
impune;
Ser leal com os
parentes e amigos, protegendo-os sempre;
Ser leal com os
inimigos, respeitando-os em tempos de paz e enfrentando-os em tempos de guerra;
Não provocar, nem
agredir, mas se for ofendido, colocar a honra acima de tudo e reagir, porque de
nada adianta viver sem a dignidade.
Patentes da Guarda Nacional foram concedidas
mesmo após sua extinção em 1922, como ocorreu com a patente de “Capitão”
concedida ao mais sanguinário bandido da época, o Lampião (Virgulino Ferreira
da Silva), numa negociação protagonizada pelo então Dep. Federal Padre Cícero
Romão Batista. O famoso bandido foi anistiado pelos seus crimes pretéritos e
recebeu farto armamento e munição, tudo para combater a Coluna Prestes. Ele
descumpriu o acordado, e prosseguiu em sua carreira de crimes bárbaros até ser
morto em 1938, sempre ostentando a sua patente de Capitão, curiosamente
presenteada pela República. Um Oficial que desonrou a classe!
Curiosamente, a atribuição de patentes
militares para dignitários civis não foi uma exclusividade do Brasil. Relendo a
história de Samuel Colt (1814 - 1862), o inventor do revólver e criador da
famosa marca de armas de fogo, nunca foi militar. Mas recebeu do Estado
americano de Connecticut em 16 de maio de 1861 a patente de Coronel da força
militar estadual. E usou este título até o final da sua vida, assinando sempre
como "Cel. Colt", o que facilitava a comercialização de seus
produtos. No Brasil os revólveres eram chamados de "Colt cavalinho",
devido ao logotipo de um potro (colt) que está associado a todas as armas da
marca.
Chegamos finalmente aos “Coronéis” do cacau,
onde parece que muitos produtores eram assim denominados, sem que possuíssem de
fato o título militar. Na região, o título virou simples sinônimo de homem
próspero, preocupado apenas com a sua segurança pessoal e patrimonial,
atribuição básica dos seus poucos jagunços. Ficaram famosos apenas na
literatura dos grandes escritores aqui nascidos. É claro que eram homens ricos.
Mas não podemos esquecer que toda riqueza é relativa.
Imaginem Coronéis do império, sem escravos!
E, escravos nunca foram empregados na lavoura cacaueira baiana. Imaginem
Coronéis cujas posses seriam desprezíveis se comparadas com o patrimônio dos
chamados “Barões do Café”, com suas fazendas imensas, com até 600 escravos, na
região do Vale do Paraíba, entre São Paulo e Rio de Janeiro. Os Barões do café
sustentaram o Império e forjaram toda a riqueza e crescimento econômico do
Estado de São Paulo. De tão ricos, dispensavam as patentes militares. Frente a
eles, os "Coronéis do Cacau" seriam considerados uns pobretões, uns
falidos!
Mas o leitor não deve ficar triste. O cacau
tem, sim, um grande e milionário magnata: Milton Snavely Hershey1 (1857-1945),
que não teve filhos e aparece na foto rodeado por crianças órfãs. Ele está para
o cacau e chocolate assim como Henry Ford - seu contemporâneo - está para o
mundo dos automóveis. Nasceu na Pennsylvania, Estados Unidos, e foi o responsável
pela popularização do chocolate. Hershey teve milhares de empregados, para os
quais construiu uma verdadeira cidade (Hershey town) com escolas, bancos,
igrejas, hospitais, hotel, clubes, zoológico, bombeiros, etc., tudo em torno da
sua então maior fábrica de chocolate do mundo. Em 1926 seus 8.000 acres
(3.200ha) de pastagens forneciam mais de 220 mil litros de leite por dia para a
fábrica, que processava 23.000Kg de amêndoas de cacau, também diariamente. A
operação chegou a incluir plantações de cana-de-açúcar, usinas e ferrovia, em
Cuba.
Hershey town recebe hoje cerca de 2 milhões
de turistas por ano, e é um grande destino para quem ama cacau/chocolate. Por
enquanto, é a única cidade do mundo onde a avenida cacau cruza com a avenida
chocolate, e as ruas secundárias recebem o nome dos portos de onde provinham
suas amêndoas de cacau: Caracas, Granada, Aruba, Trinidad, Ceylon, Java e Pará.
[1]
Sophie D. Coe & Michael D. Coe. THE TRUE HISTORY OF CHOCOLATE. Thames &
Hudson. Second Edition. 2007.
Que história fascinante, meu caro!
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