THAÍS NICOLETI DE CAMARGO*
(especial para a Folha de S. Paulo)
Metalinguagem é a propriedade
que tem a língua de voltar-se para si mesma, é a forma de expressão dos
dicionários e das gramáticas. O significado do termo, entretanto, ampliou-se e
hoje o encontramos associado aos vários tipos de linguagem. Uma música cujo
tema seja o próprio fazer musical terá empregado esse recurso. Quem não se
lembra do conhecido "Samba de uma Nota Só", de Newton Mendonça,
imortalizado na voz de João Gilberto? Diz ele: "Eis aqui este sambinha/
feito numa nota só/ outras notas vão entrar/ mas a base é uma só", trecho
entoado em uma nota só.
No cinema moderno, a prática
também é razoavelmente comum. Quem assistiu à produção de Woody Allen "A
Rosa Púrpura do Cairo" tem aí um bom exemplo de uso de metalinguagem. O
título reproduz o título do filme visto repetidas vezes pela personagem, uma
jovem que, encantada com a trama do arqueólogo que busca a rosa púrpura do
Cairo, vai ao cinema diariamente para assistir ao mesmo filme. Até que o
personagem da tela a vê e a convida para entrar em seu mundo de fantasia.
Os dois mundos - o da ficção e o
da realidade mesclam-se, interpenetram-se, e o saldo dessa "confusão"
é, paradoxalmente, o distanciamento, que evita que o espectador os confunda. A
arte moderna procura despertar a consciência de que ela é obra antes da
inteligência que da inspiração das musas.
Machado de Assis faz uso
constantemente desse recurso, interpelando o leitor (ou a leitora) e tornando
descontínua a leitura. Essa descontinuidade nos impede de misturar realidade
com ficção. No caso machadiano, as digressões também produzem esse efeito.
Se o leitor do romantismo
vivenciava o drama das personagens a ponto de terminar a leitura dos romances
aos prantos, verdade é que o de Machado é levado a distanciar-se da narrativa e
a compreender, assim, seu sentido simbólico. Machado, também no uso arrojado
dos recursos de expressão, foi um predecessor do modernismo.
O discurso metalinguístico tem
sido largamente usado nos quadrinhos e na publicidade em busca ora de uma
organização lúdica do pensamento ora de um trocadilho bem-humorado, capaz de
capturar a atenção de um eventual consumidor.
De emprego constante na
literatura, é difícil encontrar entre os escritores modernos (Rubem Braga,
Carlos Drummond, João Cabral, Manuel Bandeira) quem não tenha feito suas
incursões no amplo terreno da metalinguagem. Até porque a linguagem
converteu-se em tema de debate no modernismo e depois dele.
*Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua
portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa
"Vestibulando", da TV Cultura. (Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u1745.shtml. Acesso em
05/12/2000)
ABAIXO, ALGUMAS IMAGENS METALINGUÍSTICAS:
Um poema metalinguístico. |
Um aviso que fala do próprio aviso. |
Uma escultura fazendo uma escultura. |
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