sexta-feira, 7 de setembro de 2012

METALINGUAGEM


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO*
(especial para a Folha de S. Paulo)

Metalinguagem é a propriedade que tem a língua de voltar-se para si mesma, é a forma de expressão dos dicionários e das gramáticas. O significado do termo, entretanto, ampliou-se e hoje o encontramos associado aos vários tipos de linguagem. Uma música cujo tema seja o próprio fazer musical terá empregado esse recurso. Quem não se lembra do conhecido "Samba de uma Nota Só", de Newton Mendonça, imortalizado na voz de João Gilberto? Diz ele: "Eis aqui este sambinha/ feito numa nota só/ outras notas vão entrar/ mas a base é uma só", trecho entoado em uma nota só.
No cinema moderno, a prática também é razoavelmente comum. Quem assistiu à produção de Woody Allen "A Rosa Púrpura do Cairo" tem aí um bom exemplo de uso de metalinguagem. O título reproduz o título do filme visto repetidas vezes pela personagem, uma jovem que, encantada com a trama do arqueólogo que busca a rosa púrpura do Cairo, vai ao cinema diariamente para assistir ao mesmo filme. Até que o personagem da tela a vê e a convida para entrar em seu mundo de fantasia.
Os dois mundos - o da ficção e o da realidade mesclam-se, interpenetram-se, e o saldo dessa "confusão" é, paradoxalmente, o distanciamento, que evita que o espectador os confunda. A arte moderna procura despertar a consciência de que ela é obra antes da inteligência que da inspiração das musas.
Machado de Assis faz uso constantemente desse recurso, interpelando o leitor (ou a leitora) e tornando descontínua a leitura. Essa descontinuidade nos impede de misturar realidade com ficção. No caso machadiano, as digressões também produzem esse efeito.
Se o leitor do romantismo vivenciava o drama das personagens a ponto de terminar a leitura dos romances aos prantos, verdade é que o de Machado é levado a distanciar-se da narrativa e a compreender, assim, seu sentido simbólico. Machado, também no uso arrojado dos recursos de expressão, foi um predecessor do modernismo.
O discurso metalinguístico tem sido largamente usado nos quadrinhos e na publicidade em busca ora de uma organização lúdica do pensamento ora de um trocadilho bem-humorado, capaz de capturar a atenção de um eventual consumidor.
De emprego constante na literatura, é difícil encontrar entre os escritores modernos (Rubem Braga, Carlos Drummond, João Cabral, Manuel Bandeira) quem não tenha feito suas incursões no amplo terreno da metalinguagem. Até porque a linguagem converteu-se em tema de debate no modernismo e depois dele.
*Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura. (Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u1745.shtml. Acesso em 05/12/2000)

ABAIXO, ALGUMAS IMAGENS METALINGUÍSTICAS:

Um poema metalinguístico.
Um aviso que fala do próprio aviso.
Uma escultura fazendo uma escultura.

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