A
poesia convencionalmente chamada de marginal é aquela produzida por autores que
editam seus textos com recursos próprios e de várias maneiras.
Muitas
vezes, nesse tipo de poesia, o papel é substituído por tecido e objetos. Os livros que as poesias marginais compõem
são de aspecto precário se comparados com edições convencionais.
Nos
tristes anos 70, diante da forte repressão sociopolítica desencadeada pela
ditadura militar e do desinteresse da indústria editorial, a poesia rompeu o
compromisso com a realidade e com o intelectualismo modernista e passou a ser
marginal, anárquica e diluidora.
VISÃO DA
POESIA MARGINAL PARA OS POETAS
Muitos
poetas ainda vivem a discriminação das editoras, tendo de confeccionar seus
próprios poemas, mimeografá-los e reuni-los em um livreto muito precário. Pode
se dizer que utilizam a mesma técnica do cordel.
Para os
poetas marginais, não havia uma forma definida para o poema, tudo era válido,
pois o poema para eles era vida. Faziam uso de uma linguagem "livre"
e expunham o que queriam escrever da forma que bem entendessem, até mesmo com
palavrões e vulgaridades, pois para eles
qualquer expressão era poesia.
Esse tipo
de poesia, marginal, foi desenvolvido
sob a mira da polícia e dos políticos. Eram manifestações de protesto e
denúncias que compunham poemas mal-acabados, irônicos e coloquiais, que muitas
vezes zombavam da cultura e do próprio poeta. Os poetas vendiam seus poemas na
praia ou em praças, declamando-os
em bate-papos de botecos e entre amigos em esquinas.
Antonio Carlos de Brito
assinou seus poemas e suas músicas com o pseudônimo Cacaso. Sua estréia
literária, em 1967, foi com o volume de poesia A Palavra Cerzida, em que se
notam influências de poetas da modernidade como Carlos Drummond de Andrade e
João Cabral de Melo Neto. Já em 1970, com Grupo Escolar, mudam-se os eixos de
sua poesia, que passa a ter uma linguagem metafórica, cifrada, caricatural e irônica,
muitas vezes com a presença da paródia, na qual o poeta marginal usa o espaço
do poema para desprezar fatos de sua vida particular ou fazer suas confissões
íntimas.
POEMAS:
Jogos florais
Minha
terra tem palmeiras
onde
canta o tico-tico
Enquanto
isso o sabiá
vive
comendo o meu fubá.
Ficou
moderno o Brasil
ficou
moderno o milagre:
a água
já não vira vinho,
vira
direto vinagre.
Jogos
florais
II
Minha
terra tem Palmares
memória
cala-te já.
Peço
licença poética
Belém
capital Pará.
Bem,
meus prezados senhores
dado o
avançado da hora
errata
e efeitos do vinho
o poeta
sai de fininho.
(será
mesmo com dois esses que se escreve paçarinho?)
Ana Cristina César
criou-se entre Niterói, Copacabana e os jardins do velho Bennet. Fez sua primeira
viagem pelo mundo em 1968, quando passou um ano em Londres. Retornou ao Brasil,
deu aulas, cursou Letras, escreveu para revistas e jornais alternativos,
participou da antologia 26 Poetas, publicou pela Funarte uma pesquisa sobre
literatura e cinema, fez mestrado em Comunicação e lançou seus primeiros livros
— Cenas de Abril e Correspondência Completa — em edições independentes. Dez
anos depois, voltou
para a Inglaterra, onde editou Luvas de Pelica. Em seu retorno ao Brasil, fixou
residência no Rio de Janeiro. Trabalhou com jornalismo, televisão e escreveu A
Teus Pés. Em 29 de outubro de 1983, Ana Cristina César suicidou-se.
Os
versos de Ana Cristina César são, no final do século XX, ponto de partida para
a poesia que se fez nova.
POEMA:
Tenho
uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo
convite
tenho
uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo
convite
tenho
uma vida branca
e limpa à minha espera
(CÉSAR,
Ana Cristina. Inéditos e dispersos. São Paulo : Brasiliense, 1991.)
O
curitibano Paulo Leminski nasceu em Curitiba (PR),
em 24 de agosto de 1944. Foi poeta, filósofo, humorista, professor de história
e redação em cursos pré-vestibulares, artista gráfico, compositor e tradutor.
Era um vulcão de idéias e produção. Publicou seus primeiros poemas na revista
Invenções, em 1964, que na época era a porta-voz da poesia concreta paulista.
Escrevia
com tal intensidade de alegria e sofrimento, que a paixão pela poesia o
caracterizou como um dos poetas mais completos de sua geração. Conseguiu reunir
contradições suficientes e intensas para ser, ao mesmo tempo, escritor, poeta,
prosador, tradutor, letrista de música popular e jornalista cultural.
Amadureceu
em clima provinciano e absorveu, a seu modo, a contracultura dos anos 60:
assimilava as conquistas do concretismo, mas articulava sua poesia com estilos
breves, muitas vezes em forma de haicais*, provérbios, ditados e trocadilhos*
infames em linguagem coloquial, abrindo mão, muitas vezes, do rigor poético.
Leminski,
em suas obras, apresenta temas e preocupações político-poéticas ao mesmo tempo
de maneira culta e bem humorada. Foi com Leminski que o haicai encontrou, fora
da comunidade japonesa, a melhor e a mais conhecida realização no Brasil.
Além de
ser tradutor e biógrafo, Leminski compôs, só ou em parcerias, com nomes
importantes da MPB de seu tempo, como por exemplo, Milton Nascimento, Caetano
Veloso, músicas que alcançaram algum sucesso.
Desde
sua morte, em 7 de junho de 1989 a Fundação Cultural de Curitiba, celebra a
multiprodução do poeta curitibano por meio do evento multimídia Perhappiness.
*Haicai:
poema japonês constituído de três versos, dos quais dois são pentassílabos
(cinco sílabas) e um, o segundo, heptassílabo (sete sílabas).
*Trocadilho:
jogo de palavras parecidas no som e diferentes no significado que dá margem a
equívocos.
CURIOSIDADE:
Catatau,
primeiro livro escrito por Leminski, em 1960, mas publicado somente em 1975, é
um projeto que Otávio Bezerra pretende realizar em filme. É uma idéia
desafiadora por se tratar de um livro que o próprio escritor dizia não ser
romance, conto ou novela e nem mesmo prosa ou poesia, ensaio ou ficção. Para
ele, era uma fusão ou uma superação dessas categorias todas. Dizia ser a encarnação
cibernética do ruído. Suas palavras: "E você pensa que eu vou passar minha
vida fazendo um troço tão sem imaginação quanto escrever um livro?" Ainda
reagiu dizendo: "Catatau é um rigor delirante ou um delírio rigoroso, não
pretendo repetir a experiência."
POEMA:
eu
quando
olho nos olhos
sei
quando uma pessoa
está
por dentro
ou está
por fora
quem
está por fora
não
censura
um
olhar que demora
de
dentro do meu centro
este
poema me olha
(LEMINSKI,
Paulo. Caprichos e relaxos. São Paulo : Brasiliense, 1983. p. 15.)
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