A imprensa tem divulgado os "problemas" encontrados nas
redações do ENEM, como o aluno que escreveu a receita do miojo, outro que
inseriu o hino do Palmeiras, e um que obteve a nota máxima e escreveu
"trousse".
Alguns responsabilizam os avaliadores que corrigiram as redações e
"não perceberam" os erros, outros fazem piadas com as mesmas, aliás
uma certa "tradição" de alguns programas e apresentadores
selecionarem "pérolas" de redações para fazerem graça e divertirem o
público.
Ninguém que tem compromisso sério com a educação e a escola pública pode
se divertir com algo tão sério. O fracasso escolar e a péssima formação dos
alunos que saem do ensino médio oferecido pelas escolas públicas é uma das
maiores demonstrações do sistema excludente que vigora em nossa sociedade, pois
os adolescentes e jovens que estudam nessas escolas, todos pobres e grande
parte negros, são considerados pelas elites e grande parte dos gestores apenas
estatísticas e números, jamais como sujeitos de direitos e importantes para a
sociedade. Portanto, qualquer ensino, ou arremedo de ensino, que lhes seja
oferecido esta de bom tamanho.
É assim que para os alunos da escola pública um Alfa e Beto qualquer
serve, pois para quem é da periferia saber ler e escrever algumas frases é o
suficiente, pois ler, interpretar textos, se apropriar do conhecimento
cientifico e cultural produzido pela humanidade esta reservado como direito
sagrado aos filhos da elite!
Ou damos um basta, ou seremos coniventes com um crime que se comete
contra a grande maioria das crianças, adolescentes e jovens do país.
Abaixo uma carta de
avaliadores do ENEM que demonstra o que tem movido os gestores da educação
brasileira:
Professoras
manifestam-se EM CARTA sobre redação no Enem
Postado por Juremir em 19 de março de 2013
- Educação
Boa tarde. Somos professoras de Língua Portuguesa e
participamos do processo de avaliação das Redações do Enem 2012 e gostaríamos
de divulgar algumas informações acerca do processo que não estão sendo
divulgadas.
Já está evidente a falta de seriedade que subjaz o Exame
Nacional do Ensino Médio. Sem entrar nas questões mais profundas que dizem
respeito às consequências a médio e longo prazo, as notas das redações do Enem
2012 evidenciam a falta de critérios objetivos e a falta de seriedade no
processo de avaliação das mesmas, embora representantes do Cespe/Unb,
Ministério da Educação e Inep tentem afirmar o contrário. Nós, que estivemos
nos bastidores do processo de correção das redações do Enem sabemos por que as
respostas dadas pelos órgãos responsáveis não satisfazem.
Com a novidade de dar acesso às correções, foi permitido que
os próprios candidatos soubessem da aparente arbitrariedade que perpassa as
notas finais atribuídas. As primeiras reclamações vieram daqueles que se
sentiram prejudicados, em função das notas baixas e a consequente
impossibilidade de ingressar na Universidade. No dia 18 de março, foram
publicados os erros das redações cujos candidatos obtiveram nota máxima. Não
seria isso suficiente para se comprovar a ineficácia do sistema de avaliação?
O que não se torna público é a forma como isso acontece. À
primeira vista, há subentendida a incompetência dos avaliadores. A atribuição
de nota máxima no quesito domínio da norma padrão da língua escrita a um
candidato que escreve trousse leva-nos a duas possibilidades: os dois
professores de Língua Portuguesa responsáveis pela avaliação desta redação não
sabem a grafia correta da palavra ou foram orientados a fazer vistas grossas a
alguns erros, a fim de facilitar a aprovação dos candidatos.
Um processo que inicia com a seleção de avaliadores, sem
necessária comprovação de experiência na área, sem prova de conhecimentos e,
principalmente, sem capacitação para a tarefa não pode ser sério. Os problemas
ainda são maiores do que a seleção de avaliadores. Quando, numa suposta
capacitação, ocorrida num domingo, os professores selecionados para trabalhar
no processo são informados de que eles estão no processo para cumprir as normas
da banca avaliadora e não para questionar as orientações e os critérios de
avaliação, temos evidência da falta de respeito com os profissionais. Assim,
somos orientados a deixar de lado os conhecimentos que temos e, mais ainda, a
ignorar aquilo que ensinamos aos nossos alunos, quando os preparamos para a
redação do Enem.
Outra novidade neste ano foi a avaliação dos avaliadores. Na
teoria, os avaliadores deveriam receber um relatório com informações a respeito
do desempenho nas avaliações. Muitos avaliadores não chegaram a ter
conhecimento acerca dessa avaliação, como nós, por exemplo. Muitos tiveram seus
sistemas bloqueados por terem tirado uma nota baixa, sem ao menos saber por
quê. O bloqueio de avaliadores ocorreu com frequência e a comunicação com
aqueles que deveriam ser responsáveis pelo bom andamento do processo foi um
caos: informações desconexas, explicações infundadas, mentiras e delegação de
responsabilidades.
Há avaliadores que ainda não receberam pelos serviços
prestados; os pagamentos foram realizados em datas diferentes das informadas,
fazendo com que os avaliadores tivessem que ir ao banco inúmeras vezes. Os
avaliadores foram informados de que o pagamento seria realizado em conta
corrente cadastrada, mas muitos receberam por ordem de pagamento, graças à tentativa
de um avaliador que descobriu seu pagamento e avisou aos demais, caso
contrário, o problema poderia ser ainda maior.
Agora circula nas redes sociais as piadas em relação aos
avaliadores, o MEC não dá uma resposta satisfatória e coerente, porque não pode
dizer a verdade: o objetivo é aprovar o maior número possível de candidatos.
Quem fica exposto somos nós, os avaliadores, professores que são orientados a
esquecer o conhecimento que têm sobre estrutura do texto
dissertativo-argumentativo, construção de argumentos, manutenção temática e até
as regras de ortografia, acentuação e concordância, sob pena de terem seus
sistemas bloqueados e serem excluídos do processo. Sim, isso foi o que
aconteceu com os avaliadores que corrigiram de acordo com as orientações, com
aqueles que passaram por cima dos absurdos para fazer o seu trabalho com
seriedade, responsabilidade, atribuindo notas justas aos textos.
Temos certeza de que a verdade será mantida em sigilo, porque
todos sabemos que uma avaliação séria das redações acarretaria altos índices de
reprovação e consequência exposição do fracasso da educação brasileira. Nós não
podemos avaliar as redações, seguindo critérios justos, éticos e coerentes,
porque teríamos que colaborar para a divulgação dos níveis de leitura e escrita
em que se encontram nossos alunos da Educação Básica, justamente o que o
governo quer mascarar.
Ao assinarmos termo de sigilo, quando contratadas, ficamos
“mudas”. Há redações circulando nas redes sociais; há jornais publicando os
absurdos do processo. Em função do termo de sigilo, corremos risco de sermos
processadas, caso divulguemos as informações que recebemos ao longo do
processo. Tem sido difícil assistir a todos os comentários sem podermos nos
pronunciar.
Assim, esperamos que a voz dos avaliadores também possa
aparecer e que a sociedade saiba do que ocorre por trás daquilo que é
divulgado.
Atenciosamente,
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